Boi Neon, do diretor brasileiro Gabriel Mascaro (Ventos de Agosto), foi apresentado com pompa na noite da última quinta-feira, no Toronto International Film Festival 2015 (TIFF). O diretor artístico do evento em pessoa, Cameron Bailey, foi o mestre de cerimônias. Ele destacou que a Memento Films, agente internacional responsável pela comercialização do longa, sempre traz produções de “bom gosto” para o festival.
Também não era para menos. O filme não só faz parte do primeiro programa competitivo do evento, o "Platform", como acabou de sair com o prêmio do júri da mostra Orizzonti no Festival de Veneza. A disputa em Toronto tem como jurados os cineastas Jia Zhang-ke, Claire Denis e Agnieszka Holland. “São pessoas que me ensinaram a olhar o mundo de forma diferente. E eles estão assistindo ao meu filme, então é um presente muito especial”, comemorou Gabriel, em entrevista ao AdoroCinema, na sexta.
Haja festival.
Mal pisou na América, e o diretor já já terá que retornar para o circuito de divulgação do filme pelo mundo afora. Neon Bull (em inglês) emenda os de Zurique, na Suíça (ainda em setembro), o prestigiado BFI, de Londres, no início de outubro e Adelaide, na Austrália (fim do mesmo mês). Passa também pelo Festival do Rio, onde o filme foi selecionado para a Première Brasil. O diretor estima que sejam uns dez, pelo menos, muitos dos quais, ele ainda não pode divulgar. “Minha filha veio até aqui para se despedir de mim”, brincou.
O circuito é importante para o “tipo” de cinema de Gabriel Mascaro: autoral, mas com uma pegada popular. Boi Neon que o diga. Pois foi há cerca de cinco anos, no Festival de Roterdã – por onde Gabriel passou com Avenida Brasília Formosa –, que ele conheceu a produtora Marleen Slot (Viking Film) e o Boi foi concebido. Filho de pais holandeses, brasileiros (Desvia Filmes) e uruguaios (Malbicho Cine), o longa é uma coprodução entre os três países.
“Hoje em dia cada cidade tem um festival de cinema, o que é um sintoma contemporâneo de [a exibição] não conseguir abrigar a distribuição clássica. Os festivais proporcionam não apenas a parte do business, mas trocas afetivas”, pontua o cineasta.
De volta à vaca fria.
Boi Neon cota a história de Iremar (Juliano Cazarré), um homem que percorre o Nordeste acompanhando
uma Vaquejada e divide seu trabalho entre os currais e o “fabrico de roupa”, como ele mesmo define. Um matuto com jeito de estilista, cujo maior sonho é trabalhar no Polo de Confecções do Agreste.
Gabriel já sabia, desde a concepção do projeto, que queria abordar o universo do “esporte” – no qual dois vaqueiros têm de emparelhar o boi até uma faixa de cal riscada no chão e derrubar o animal.
A atividade – um universo que, a priori, ele rejeita – seria o centro da trama, inicialmente sobre os fazendeiros. Mas, nas pesquisas para a realização do filme, Mascaro cruzou com um vaqueiro que acabou por inspirar o personagem de Cazarré e redirecionou o rumo da obra.
Segundo o diretor, a vaquejada “representa uma alegoria importante do processo de desenvolvimento do país, mas que traz várias contradições”. E vai além: “Existe um investimento para criar um polo de confecção de moda surfe num lugar que é árido. Toda essa cultura praieira num universo onde falta água”, contextualiza. “Então, comecei a pensar em como a bravura e a sensibilidade podem habitar esse mesmo corpo [do personagem]”.
Adeus paradigma.
No fim da jornada, não sobra paradigma sobre paradigma em Boi Neon. Enquanto o homem costura, a mulher dirige o caminhão (a atriz Maeve Jinkings, ótima); quando Iremar passa roupa; a motorista também atua como mecânica; enquanto o macho (Vinicius de Oliveira) alisa o cabelo, ela se orgulha das madeixas pixaim. Nada disso passa pela sexualidade e, ainda por cima, se passa no Nordeste. “Mais do que uma inversão de gênero, eu proponho uma dilatação das noções de gênero”, explica Marscaro.
Mas será que o público canadense captou esse “Nordeste suspenso”, como define Gabriel? Na sessão de perguntas e respostas, comandadas pelo editor chefe da revista Indiewire, Eric Kohn, logo após a primeira exibição do filme, o cineasta chegou a se desculpar com uma espectadora que (gentilmente) questionou o (longo) tempo de duração das cenas.
Ele reconhece a forte cor local de seu longa, mas aposta em uma internacionalização da compreensão “porque é um filme sobre uma escala de sonhos de um lugar em transformação”.
O que a espectadora não captou – porque nem sequer teria condições de compreender – é a riqueza dos diálogos do filme, falando em um pernambuquês carregado de expressões hilárias (tal qual em Que Horas Ela Volta?). É o que acontece quando “tem que parar de bater punheta e botar essa rolinha para comer alpiste” vira algo como “go fuck for real” na legenda.
Sexo (e polêmica).
Duas cenas, em especial, geraram polêmica entre a plateia canadense – e em Veneza também. Numa delas, bem realista, Iremar transa com uma mulher grávida (Samya De Lavor). Se o fuck foi real, o diretor alega não saber: “Nunca perguntei para os atores. Eu estava afastado na hora”.
Mas a outra foi. Trata-se do momento em que o personagem de Cazarré masturba um... cavalo (um garanhão, a fim de recolher o sêmen do animal para vender). “O Juliano estava achando que ele ia ter que praticar com uma prótese. Mas, não. E ele não queria fazer de jeito nenhum. Disse que só faria se eu [o] fizesse antes”. Resultado: Cazarré masturbou o cavalo.
Boi Neon ainda não tem data de lançamento prevista no Brasil. Já os vencedores – tanto a escolha do público, quanto o melhor da "Platform" – do TIFF serão conhecidos neste domingo, 20 de setembro.