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    Exclusivo: Os diretores de Beira-Mar falam sobre a "recepção incrível" no festival de Berlim 2015

    Filipe Matzembacher e Marcio Reolon conversaram em exclusividade com o AdoroCinema.

    João Gabriel de Queiroz

    O festival de Berlim 2015 chamou a atenção para dois novos nomes do cinema brasileiro. Os diretores gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon apresentaram o seu primeiro longa-metragem, Beira-Mar, na mostra Forum.

    A história apresenta um fim de semana na vida de dois amigos, Martin (Mateus Almada) e Tomaz (Maurício José Barcellos), que fazem uma viagem juntos, na intenção de resolver alguns problemas familiares. Juntos, eles fazem novas descobertas sobre eles mesmos e sobre a sua sexualidade. Confira a nossa crítica.

    A dupla concedeu uma entrevista exclusiva ao AdoroCinema, falando sobre temas como o trabalho em dupla, a representação da homossexualidade e a situação do cinema gaúcho. Descubra esse bate-papo abaixo:

    Percurso

    Filipe Matzembacher: A gente é formado em cinema pela PUC de Porto Alegre. Eu e o Marcio trabalhávamos como atores antes, e depois de formados, a gente abriu a Avante Filmes, com mais um sócio. Nós produzidos conteúdo, com curtas, médias e longas, e também produzimos dois festivais, o CLOSE, focado em cinema LGBT, e o Diário de Cinema. Beira-Mar é o nosso primeiro longa.

    Origem do projeto

    Marcio Reolon: Eu comecei a conversar com o Filipe, e vi que tivemos adolescências muito similares. Nós compartilhamos os mesmos medos, os mesmos desejos. Nós juntamos as minhas memórias de quando eu tinha 18 anos e construímos um personagem, e as ideias do Filipe quando tinha 18 anos, e construímos outro personagem. O desafio para elaborar o roteiro foi confrontar essas duas memórias.

    F.M.: A gente ambientou essa história num espaço afetivo para a gente: a praia de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, que nós dois frequentávamos na adolescência. Nós trouxemos essas relações afetivas para a história.

    Produção

    M.R.: A gente tinha uma urgência muito grande de fazer esse filme enquanto os dois eram jovens, próximo da idade dos personagens. Eu tinha medo que, se fizesse o Beira-Mar daqui a cinco, dez anos, talvez a gente tivesse um olhar mais nostálgico, ou mais idealizado sobre a juventude. A gente quis fazer no momento em que nos sentimos maduros para fazer um longa-metragem, e ainda assim próximos da idade dos personagens. A produção foi independente, e depois ganhamos dois festivais para finalização.

    Escolha dos atores

    F.M.: O Mateus Almada foi indicado por um amigo, já o Maurício José Barcellos, a gente encontrou pelo Facebook!

    M.R.: Ele nunca tinha feito nada, não tinha nenhum treinamento formal. A gente achou o perfil dele interessante, com as coisas que ele postava, e pensamos que ele funcionaria bem para o personagem do Tomaz. Aí marcamos uma conversa, mostramos o roteiro, falamos sobre a nossa visão do mundo e da adolescência, e vimos que eles funcionariam muito bem.

    F.M.: Um dia, levamos um para a casa do outro, e colocamos os dois juntos. Ligamos a câmera e vimos que seriam eles, não tinha dúvida.

    Ensaios, preparação

    F.M.: Como eles não tinham experiência, e como o trabalho com o ator é o centro de todo o processo, nós passamos sete meses ensaiando antes de filmar. Discutimos o roteiro cena a cena, compartilhamos referências...

    M.R.: Foi um processo muito íntimo de troca de experiências, quase uma terapia de grupo!

    F.M.: Começamos a passar algumas cenas, e quando os personagens começaram a ganhar forma, nós chamamos os outros atores, e completamos o processo. Nós filmamos em ordem cronológica, para o processo de filmagem corresponder à jornada dos meninos. 

    M.R.: Isso foi fundamental para a narrativa também, porque este é um filme em que as coisas acontecem pouco a pouco, em uma diagonal crescente. A gente filmou na ordem, sabendo dosar exatamente o que adicionar em cada cena filmada, principalmente no que diz respeito à afetividade.

    F.M.: A gente também decidiu se hospedar na casa em que o filme se passa. Os meninos dormiam no quarto dos personagens, com a roupa de cama dos personagens. Eles já conviviam com aquele espaço há um mês.

    Filme adolescente 

    F.M.: Para a gente, cinema jovem é algo muito instigante. É uma fase da vida que chama muito a nossa atenção. Como realizadores, a gente tem a obrigação de complexificar os jovens.

    M.R.: Temos que fugir da idealização que muitos filmes fazem. A gente tentou ter um discurso direto, honesto sobre a juventude, mantendo o máximo de proximidade com eles. Nem o Filipe nem eu tivemos uma adolescência como alguns filmes retratam, cheia de euforia. Para a gente, foi um período de solidão, de confusão, de receios, à espera de algo grande que parecia nunca acontecer. Nós quisemos colocar isso no filme. Assim como nós dois tivemos isso, muitos outros jovens sentem a mesma coisa.

    Cena de sexo

    F.M.: Desde o início, os atores sabiam sobre a cena de sexo. Como gravamos na ordem, quando chegou este momento, os dois já tinham bastante intimidade.

    M.R.: Nós trabalhamos em uma cumplicidade muito grande com os atores. Surgiu uma relação de confiança.

    F.M.: Para a gente, o principal era fazer uma cena honesta, não covarde. A câmera acompanha os meninos o tempo todo, seria muito covarde fugir daquele momento. Ao mesmo tempo, o olhar da câmera tinha que mostrar carinho, não podia ser só o desejo.

    Filme gay?

    F.M.: Nós pensamos muito no tema, e temos um festival que aborda isso, mas às vezes é importante não rotular, e dizer que isso é apenas um filme gay, e ponto. É preciso complexificar as obras.

    M.R.: Dentro do Beira-Mar, existe um discurso sobre sexualidade, que para a gente é algo muito claro e muito importante. Mas ele também é um filme sobre a amizade, e isso independe da sexualidade. Cada pessoa pode ver o filme e ter uma opinião própria sobre a sexualidade dos personagens. Eu não qualificaria exclusivamente como um filme gay, mas isso é um tema que está presente em todo o nosso trabalho, e também estará em todos os projetos futuros.

    Trabalho em dupla

    F.M.: Nós temos muita afinidade de repertório, de discussões. Gastamos muito tempo na pré-produção até afinar ao máximo, criando uma confiança plena para as filmagens funcionarem. Não temos uma divisão do tipo “um fica com a câmera, o outro com os atores”.

    M.R.: Está muito claro para os dois o que é o filme, e onde queremos chegar. Depois que isso é definido, as decisões são tomadas com muita naturalidade. Mesmo no set, quando surgem imprevistos, a gente só conversa, e por um raciocínio lógico, já chegamos a um senso comum.

    Durante as filmagens

    M.R.: Nós somos preciosistas, fazemos muitas tomadas, principalmente por causa da atuação. Beira-Mar também tinha movimentos de câmera arriscados, e muitas brincadeiras com foco e desfoco, pela questão da memória, da imprecisão da lembrança.

    F.M.: São longos planos-sequência. Com oito tomadas, cada um durando muitos minutos, então já era um grande trabalho. Assim que a gente chegava exatamente onde queria, aí decidíamos tentar algo diferente.

    M.R.: A gente planeja e planeja, mas quando chega na hora, não seguimos exatamente o planejamento!

    Cinema gaúcho

    F.M.: O cinema gaúcho está entrando em uma fase interessante, porque estão começando a surgir os primeiros longas dos alunos formados na faculdade de cinema. É um fenômeno histórico interessante. Dentro do cinema gaúcho, Beira-Mar dialoga com outros filmes jovens que já existem. O resto do Brasil tem a ideia de uma grande produção cinematográfica no Rio Grande do Sul, mas infelizmente não existem fundos regionais. Tivemos agora o primeiro em dez anos, sem perspectiva de ter um segundo. Isso afeta muito a continuidade da produção, porque depois de investir em um grupo de cineastas, eles não têm mais suporte para continuar. Aí temos que recorrer a fundos muito menores, ou fundos nacionais, quando precisamos concorrer com outras produções.

    Público

    M.R.: Nosso termômetro para a recepção do filme está ocorrendo aqui na Berlinale. A resposta está sendo incrível, muito calorosa. Durante o debate, as pessoas pegam o microfone, dizem que gostaram muito, se identificaram com a história. O carinho está sendo muito grande. Comercialmente, é difícil saber qual resposta o Beira-Mar vai ter, porque esse é o nosso primeiro longa. Vamos descobrir agora!

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