por Francisco Russo
Roberto Santucci é por muitos considerado o atual Midas do cinema brasileiro. Afinal de contas, o diretor emplacou três sucessos em sequência: De Pernas pro Ar (3,5 milhões de espectadores), Até que a Sorte nos Separe (3,4 milhões) e De Pernas pro Ar 2 (4,8 milhões). Prestes a lançar mais uma comédia, Odeio o Dia dos Namorados, Santucci recebeu o AdoroCinema em sua própria casa e concedeu uma longa entrevista. Falou sobre o início da carreira, as dificuldades antes de estourar com De Pernas pro Ar, seu método de trabalho e, principalmente, como funciona o mercado de cinema no Brasil. Confira o resultado deste extenso bate-papo logo abaixo. Boa leitura!
AdoroCinema: Estive em 2000 na pré-estreia do seu primeiro filme, Olé - Um Movie Cabra da Peste, e lembro que você estava muito emocionado em lançá-lo. Treze anos depois, você está prestes a lançar mais um filme, Odeio o Dia dos Namorados, e já tem uma carreira estabelecida. Como foi esta trajetória no cinema?
Roberto Santucci: Foi curiosa, porque não foi gradual. Fiz o Olé e ele logo foi atropelado pelo Bellini e a Esfinge. Olé era um filme que tinha tudo para não dar certo: era falado em inglês, com atores desconhecidos misturados com brasileiros, um elenco totalmente underground e um filme de gênero, algo que não é bem visto no Brasil. Foi um filme feito com muito pouco dinheiro, na raça, e esteve em cartaz apenas por duas semanas no Rio de Janeiro.
Bellini aparentava ser a grande virada, pois era uma grande produção e contava com nomes fortes, como a Malu Mader e o Fábio Assunção. Foi um tremendo esforço e teve pouco dinheiro, apenas R$ 600 mil. Achava que tinha tudo para ser um projeto bacana, mas por não ter um produtor experiente no mercado nem uma distribuidora também poderosa acabou fazendo apenas 60 mil pessoas nos cinemas, infelizmente. Aí minha carreira parou. Comecei a escrever uma série de roteiros em editais, mas sempre tomei bomba. É impressionante pensar que o Brasil produz cerca de 80 filmes por ano e, ao longo de todos estes anos, nunca consegui passar no crivo das comissões especialistas em fazer cinema.
Em 2005 acabei rodando um filme bancado pelo meu próprio bolso, Alucinados, que ganhou uma série de prêmios de público. Apesar de todas as fases difíceis sempre me dei bem com público, pois Bellini ganhou este prêmio no Festival do Rio. Só que, mais uma vez, faltavam conexões. Cinema parece uma equipe de Fórmula 1, precisa ter o carro, o piloto, etc. Tem muita política no meio, precisa de uma série de elementos. Alucinados fez o circuito dos festivais, ganhou prêmios, mas o filme de novo nunca foi lançado.
AC: Por que Alucinados não foi lançado?
Roberto: Este foi um filme que também entrei em todos os editais do governo, até de lançamento, com o filme pronto, e nada. O pessoal falava que certo edital era fácil, que tinha dinheiro para todo mundo, mas ficava de fora. Não ganhei o dinheiro e o filme não foi lançado. Essa coisa dos editais nunca funcionou para mim quando eu era um completo cineasta independente. Não tinha turma, vim dos Estados Unidos sem ter uma galera de faculdade, não era amigo ou parente de alguém... Era muito independente, o próprio Alucinados era assim. Não consegui nem matéria em revista especializada de cinema sobre o tanto que fazia com tão pouco dinheiro. Realmente foi uma época muito difícil.
Alucinados, suspense dirigido por Roberto Santucci e estrelado por Mônica Martelli e Silvio Guindane
AC: Como surgiu a ideia de fazer De Pernas pro Ar?
Roberto: Ficava pensando em como iria entrar no mercado de cinema, aí vi uma matéria no Gente Boa (coluna no jornal O Globo) sobre uma mulher que vendia objetos sexuais e achei que seria uma comédia feminina no formato que gostariam. Queria usar como moeda de troca, entregar um projeto popular voltado para o público feminino em troca que deixassem que fizesse o meu filme. Falei com o distribuidor Bruno Wainer e ali minha vida mudou. Ele acreditou no projeto e me disse que iria fazer um filme como todo mundo que faz cinema, com produtora experiente, orçamento, distribuidor e equipe técnica para fazer dele um filme ganhador. Quando o Bruno apresentou o projeto para os parceiros dele houve algumas dúvidas em torno do meu nome, mas o Bruno me bancou. O filme foi um sucesso e, depois disto, foi o mercado que me procurou. Os Gullane perguntaram se queria fazer um filme com eles, é lógico que aceitei. Depois desta ralação e dificuldade absurda de anos, quem sou eu para rejeitar fazer cinema? Fiz Até que a Sorte nos Separe, mas aí já estava fazendo cinema com um time ganhador. Era diferente. Saí do nada e de repente estava na pole, conseguindo mostrar que era um diretor bom o suficiente para, tendo condições, mostrar resultado. Mas na verdade o desafio continua, que é a minha moeda de troca. Cadê aquele filme que eu ia fazer quando inventei De Pernas pro Ar?
Minha carreira até o De Pernas pro Ar era de guerrilha absurda misturada com aquela coisa do Robert Rodriguez, com muita tecnologia e cinema digital, e da noite pro dia virei um cara de um cinema completamente diferente. É lógico que não é ainda o suprasumo da produção brasileira, que são aqueles filmes com orçamento de 8 a 12 milhões, o que converte em tudo de melhor qualidade. Ter 4 ou 5 milhões a mais reverte em melhor resultado de tela, minha média de orçamento é de 5 ou 6 milhões, o que para mim foi um grande salto. Meu objetivo é trazer qualidade e frescor para as comédias. Como hoje em dia sou visto pelo mercado como especialista em comédias de grande público, eu tenho que me renovar, buscar frescor e melhorar a qualidade destes filmes, procurando o máximo de autonomia possível. Meu desafio é atender os desejos do mercado, que é o meu ganha pão, e fugir dele de uma certa maneira, porque se deixar o pessoal vai querer que faça sequência direto. É um frescor que vem da internet, como o Porta dos Fundos, que é muito legal. Por outro lado, tenho que achar o projeto que sempre quis, que agora obviamente tenho muito mais chances de viabilizá-lo. Ele tem que ser incrível, não pode ser apenas um filme de gênero. É a minha bala de prata.
AC: As suas comédias possuem tons bem diferentes, De Pernas pro Ar aborda mais o lado feminino e Até que a Sorte nos Separe explora mais o humor físico do Leandro Hassum. Como você define o perfil dos seus filmes?
Roberto: Procuro respeitar o talento com quem estou trabalhando e a sua forma de trabalhar. O Leandro tem um humor mais de exagero e não me sinto à vontade de impor a ele um outro tipo de humor. Sou novo neste meio de comédia e quando escolho um ator para estrelar uma comédia destas não dá para querer levá-lo num outro caminho. Não me sinto à vontade, ele está vindo para somar. A princípio não tenho problema com o humor histriônico, o físico, o torta na cara, o de situação... Meu desafio é a cinematografia e buscar sair de uma coisa mais televisiva.
AC: Além de Até que a Sorte nos Separe 2, você tem outro projeto envolvendo o Leandro Hassum?
Roberto: É um outro filme chamado Loucas para Casar, cujo roteiro é do Marcelo Saback. É uma mistura de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos com Clube da Luta. É cheio de viradas e o Saback trabalha muito bem este lado psicológico feminino. É uma história muito legal. Tenho essa coisa de fazer filmes de ação e thriller, mas quando você vê um roteiro bom como esse... Ele tem um ritmo frenético incrível. Já temos um roteiro bacanérrimo e estamos vendo a questão do elenco. Geralmente não tenho muitas dificuldades de orçamento, desde que ele fique em torno de 5 ou 6 milhões, mas elenco ainda é uma questão. Às vezes você tem a pessoa ideal para um papel, mas ela não quer fazer ou não está disponível, aí o projeto fica parado esperando estes caras estarem prontos. Então estas peças se movimentam um pouco. Existe a vontade do distribuidor, da produtora e minha de rodar Loucas para Casar, mas ainda depende do elenco.
AC: Em Odeio o Dia dos Namorados existe o lado dos efeitos especiais, que até foi ressaltado em uma pílula exclusiva que publicamos no AdoroCinema. Por que a aposta neste sentido?
Roberto: O orçamento do cinema brasileiro é mais restrito, porque o filme precisa se pagar em território nacional. Então quando você começa a querer sofisticar fica mais complicado. No Odeio o Dia dos Namorados busquei exercitar este lado que existe dentro de mim, que é o dos efeitos especiais e das sequências de ação. A gente nem menciona isto no trailer, que dá a entender que a pessoa verá uma comédia sobre o dia dos namorados. Mas há todo um acabamento e desafio técnico bem pesado que foi uma das coisas que me motivaram a fazer o filme.
AC: Você disse que não estão divulgando muito este lado dos efeitos especiais. Você acredita que isto não seja importante para o filme?
Roberto: Está muito ligado à trama do filme. O efeito especial surge na virada da história, como uma surpresa. A gente acha que o público irá curtir muito mais caso seja surpreendido. Nos testes que fizemos as pessoas têm curtido isso.
AC: Este é o seu primeiro filme feito com a Disney, que tem fama de produzir filmes feitos para a família. Em relação aos outros filmes que você fez, houve alguma modificação no modo de produção ou você teve liberdade para abordar a história?
Roberto: Eu já ouvi várias histórias da Disney com relação à maneira que eles fazem filmes, mas a verdade é que não houve praticamente nada. Lembro de uma coisa ou outra, mas na verdade acontece em todo filme. Às vezes você não pode mencionar uma marca, porque um copatrocinador não gosta, mas nem colocaria como algo vindo da Disney. Talvez este filme seja mais tranquilo, há um palavrão aqui e ali, mas com a proposta não tivemos grandes problemas. Não é um filme mais ousado, que pudesse ter questões mais delicadas.
AC: Qual é a sua expectativa de público para Odeio o Dia dos Namorados?
Roberto: É sempre muito difícil dizer. O filme está entrando numa época muito competitiva. Sem falar que estamos entrando numa época de férias e Se Beber, Não Case! Parte III. Teremos todo tipo de concorrência, desde comédias, grandes blockbusters e o fenômeno do Renato Russo, com Faroeste Caboclo. Então vou entrar num mar bem bravio, isto nunca tinha me acontecido antes. Geralmente meus filmes entram numa data mais tranquila. Estamos entrando sem Globo Filmes também, mas temos a Disney. Vamos ver, será uma experiência diferente.
Odeio o Dia dos Namorados, comédia com Marcelo Saback e Heloísa Périssé que estreia em 7 de junho
AC: As comédias brasileiras têm feito muito sucesso e elas são bem diferentes, como Vai que Dá Certo, E Aí... Comeu? e as que você dirigiu. Ao mesmo tempo elas são muito criticadas pela imprensa especializada. Como você vê este momento em que o público vê as comédias, mas a crítica em geral não gosta delas?
Roberto: É muito bom que as comédias estejam dando certo, porque há uma questão de ocupação de salas pelo público brasileiro. Faço parte daqueles que dizem que isto reverte para todo o cinema nacional, os que lutam contra estão bem enganados e dando um tiro no pé. O que discordo é que apenas comédia dá certo. Não acredito nisso, temos o caso recente do Somos Tão Jovens que mostra isso. Todo mundo reclama muito, mas no fim das contas bilheteria é algo que sempre agrada. Fico felicíssimo quando vejo outros gêneros darem certo até porque quero trabalhar em outros gêneros, mas é óbvio que as comédias recentes têm dado mais resultado do que vinha acontecendo até então. Acho que no cinema brasileiro este setor está se profissionalizando, está ganhando uma cadência de produção que está solidificando a comédia nacional como algo que o público reconhece e vai atrás.
Este ano será muito interessante, porque teremos uma quantidade enorme de comédias. Acho que o desafio agora é tentar fortalecer os outros gêneros. No lado do cinema autoral tivemos uma vitória bastante bacana com O Som ao Redor, que teve uma repercussão excelente lá fora. Isto é fundamental para o cinema brasileiro. É lógico que não dá para pegar um filme de alcance mais restrito e fazer um lançamento gigantesco, ao menos é o que dizem os especialistas. Cada filme tem o seu tamanho e encontrar este tamanho é fundamental. Até porque quem quer viver de cinema, se fizer um lançamento maior do que se pode, jamais verá algum dinheiro com o seu filme. Tenho uma preocupação em ter um retorno financeiro com os filmes, talvez por não ter sido agraciado pelo governo e poder fazer um filme atrás do outro sem ter retorno algum.
AC: Algo que surpreende muita gente, especialmente em se tratando de Brasil, é a rapidez com que você faz os seus filmes. Odeio o Dia dos Namorados é o seu quarto filme em pouco mais de dois anos. Você tem uma equipe por trás que te ajuda, mas qual é o segredo de tamanha velocidade?
Roberto: Isso na verdade é o mercado me requisitando. Até que a Sorte nos Separe e Odeio o Dia dos Namorados eram projetos que já vinham sendo maturados há alguns anos, sem se pensar no meu nome para dirigi-los. Aí com o sucesso de De Pernas pro Ar é que fui convidado para assumir os projetos. Tenho aceitado convites basicamente, sem gerar processos propriamente. Trago os roteiristas, fazemos as modificações de forma que se torne algo mais popular. Mas só conseguimos fazer tão rápido porque já existiam produtores que haviam feito este trabalho anterior. A exceção é Até a Sorte nos Separe 2, que está sendo feito a toque de caixa devido à oportunidade dos Gullane em aproveitar uma data disponível. Hoje em dia estou fazendo estes filmes um atrás do outro porque os produtores estão me convidando. Mais à frente pode ser diferente, estou apenas respondendo ao mercado.
AC: O terceiro De Pernas pro Ar já está com data marcada e a Mariza Leão já confirmou o filme. Você está confirmado no projeto?
Roberto: Acho que o sucesso de De Pernas pro Ar está nesta sinergia mesmo. Quando começamos o projeto do primeiro tínhamos pensado em outra atriz e outros roteiristas, e patinamos bastante. No dia em que juntamos dois roteiristas que tinham histórico para escrever para a Ingrid Guimarães ali se criou uma força criativa muito bacana. A ideia original era minha e tive mão para fazer dois filmes excelentes. Hoje em dia o projeto é legalmente da Mariza Leão. Mas, muito na base da parceria, o projeto pertence a todos aqueles que participaram do sucesso do filme. Como pensar em um novo filme sem a Ingrid Guimarães ou a Downtown Filmes, que foi o distribuidor que me deu a chance de dirigir esta comédia? Então só consigo enxergar o três se houver esta sinergia de parceiros que chegaram neste sucesso. Pode ser que eu não esteja disponível, mas a princípio estou junto com este pessoal.
AC: O De Pernas pro Ar mudou de título graças a uma pesquisa de opinião e o mesmo aconteceu com Odeio o Dia dos Namorados. Como você vê esta questão do uso de pesquisas para definir um título? Qual a importância disto para o lançamento de um filme?
Roberto: Isso é super delicado. Às vezes o detentor deste poder de decisão está fechado com um título e não quer abrir mão dele. É preciso entender como o mercado reage. Tem especialista de mercado que diz que E Aí... Comeu?, que fez uma bilheteria muito boa, perdeu um milhão de espectadores por causa do título. A estreia não foi tão boa e até desfazer este mal entendido pelo boca a boca teria perdido esta quantidade. Mas aí é uma escolha do produtor. No caso do Sex Delícia foi um debate muito forte, pois tinha gente que adorava este título. Só que a pesquisa mostrou que havia um histórico da pornochanchada e por isso havia uma rejeição. Fizemos então um novo título que eu mesmo não curti a princípio, mas os caras estavam certo. O mais incrível é que já existia um filme com este título e ele deixou de existir, passamos por cima dele.
No caso do Dia dos Namorados, havia uma camada enorme do público masculino que não queria ver um filme com este título. Tivemos que trazer um pouco de humor para o título e este foi o que funcionou. Vejo isto como um grande aprendizado.
AC: Sobre Até que a Sorte nos Separe 2, o que você pode adiantar sobre o filme?
Roberto: O Leandro Hassum e a Danielle Winits estão de volta, começaremos as filmagens em julho. O que tem de novidade é que passaremos o mês de agosto todo em Las Vegas. O filme se passa praticamente todo lá. Eles estão quebrados e, quando estão prestes a ser despejados do apartamento, chega um cara e avisa que o tio Olavinho faleceu e eles herdaram a fortuna. Aí vão para Las Vegas. Você pode imaginar o que o Tino vai aprontar por lá.