A base do espetáculo
por Bruno CarmeloAssistir a Contatos Imediatos do Terceiro Grau quarenta anos após seu lançamento implica levar em consideração uma série de fatores. É importante compreender o papel exercido, na época, por uma ficção científica deste porte, quando a noção de blockbuster ainda se desenvolvia. É preciso lembrar que a sociedade da época era outra, e as formas de representar o cinema, também. Além disso, o jovem Steven Spielberg não possuía o status de autor que veio a adquirir muitos anos mais tarde. Em 1977, o cineasta era apenas um jovem promissor para os moldes da indústria.
No entanto, ao invés de avaliar a herança cultural do projeto, vale buscar compreender sua estrutura e sua visão de mundo. Neste filme, Spielberg reproduz o método que havia funcionado em Tubarão (1975): privilegiar os efeitos de uma catástrofe nas pessoas ao invés da própria catástrofe. Esta ficção científica revela poucos extraterrestres, além de trazer cenas curtas com discos voadores. O que interessa ao roteiro é abordar o impacto das aparições na vida de uma mãe solteira com seu filho pequeno e dentro de um lar cujos pais atravessam uma crise conjugal.
O diretor já se revelava, na época, um exímio manipulador de sensações. A chegada dos invasores é retratada por sons e luzes, seja dentro de um carro, dirigido por Roy Neary (Richard Dreyfuss), seja numa casa onde os brinquedos de um garotinho começam a andar sozinhos, os aparelhos eletrônicos se ligam e as luzes dos discos voadores entram pelas persianas nas janelas. O filme constrói um excelente suspense através de ferramentas puramente audiovisuais e do poder da sugestão. Pelo barulho estrondoso e a luz ofuscante, o espectador imagina o tamanho dos OVNIs, sua proximidade e suas intenções. O imaginário do público será sempre mais assustador do que qualquer elemento em tela.
No entanto, o diretor não se contenta em manipular sensações. Ele pretende igualmente manipular sentimentos, ou seja, nossa relação afetiva com os personagens e ações. Entram em cena os elementos que se tornariam obsessões de Spielberg nos projetos seguintes, a exemplo da pureza das crianças e a união familiar como elemento estruturador da sociedade. Estas opções sempre despertaram críticas ao cineasta, acusado de transformar o popular em popularesco. No caso desta ficção científica, um garotinho fica parado no meio de uma autoestrada, apenas para ser salvo segundos antes do atropelamento. O roteiro ainda ameaça matar a criança duas ou três vezes.
No outro núcleo da trama, um pai se torna cada vez mais obcecado por um formato cônico – que se trata obviamente de uma montanha, embora ele ainda não tenha percebido isso – a ponto de colocar a saúde da esposa e dos filhos em risco. A cena da crise emocional dentro da banheira, mesmo atenuada pelo humor absurdo, é típica da exploração afetiva que beira a chantagem emocional. Ela funciona como veículo de comunicação, mas apela tanto para os sentimentos que impede qualquer forma de reflexão.
Mesmo assim, Contatos Imediatos do Terceiro Grau traz uma discussão relevante sobre o papel da crença e, por extensão, do próprio cinema. As pessoas afetadas pelos extraterrestres são descreditadas por especialistas e pelo governo, defensores da busca por outra explicação científica mais simples, e portanto mais convincente. As vítimas podem sofrer de uma alucinação coletiva, podem ter confundido algum outro objeto voador (avião, helicóptero) com alienígenas. O que se segue é a luta dos azarões Roy e Gillian (Melinda Dillon) contra o sistema. A história fica do lado daqueles que defendem a sua fé apesar da razão. O filme sugere que é preciso acreditar na magia, na fantasia, deixando de lado seus preconceitos racionais. Ou seja, é preciso abraçar a suspensão da descrença e aceitar o espetáculo.
Em termos de espetáculo, justamente, o projeto impressiona pelo uso potente de trilha sonora, de ruídos de todos os tipos, montagem acelerada, iluminação expressiva e sem ambiguidades. Os efeitos especiais são impressionantes para a era pré-digital. Além disso, a quantidade generosa de humor garante o selo “para toda a família”, indispensável aos blockbusters, e suaviza as cenas assustadoras próximas do horror – vide as luzes e fumaças entrando na casa de Gillian. O filme lança as bases para um cinema-máquina que seria copiado à exaustão por outros estúdios e outros diretores, com a diferença que Spielberg se encontrava na fase de invenção de uma linguagem, e não apenas de sua reprodução.
Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em novembro de 2017.