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    A Porta ao Lado
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Porta ao Lado

    O que é traição? Pense duas vezes antes de responder

    por Aline Pereira

    Não é à toa que os romances e dilemas amorosos são fontes inesgotáveis de inspiração para a arte e, provavelmente, nunca deixarão de ser. Não só porque as relações são um ponto central de nossas experiências de vida, mas também porque estão sempre em movimento. Em A Porta ao Lado, a diretora Júlia Rezende (Meu Passado Me Condena) apresenta um “novo modelo” de amor e se propõe a uma discussão divisiva: existe fidelidade? E, se sim, o que ela significa? Novos conceitos (eles existem?) de lealdade e traição são os temas do longa que, mesmo nadando mais na superfície, levam a discussão para fora das telas - e isso é ótimo. 

    A Porta ao Lado, que fez sua estreia no Festival de Cinema de Gramado 2022, tem como protagonistas dois casais vivendo em modelos diferentes de romance: Mari (Letícia Colin) e Rafa (Dan Ferreira) estão em um relacionamento monogâmico tradicional, enquanto Isis (Bárbara Paz) e Fred (Túlio Starling) têm um casamento aberto, em que é permitido encontros casuais com outras pessoas. Quando os quatro se tornam vizinhos, a convivência muito próxima com a vida do outro despertará dúvidas e inseguranças, mas também faz aflorar o desejo e independência.

    Na aproximação entre os protagonistas, o sentimento de frustração talvez seja o principal fator comum, não só pelas vidas em casal, mas pelas escolhas individuais. O ponto de vista da personagem de Letícia Colin é o fio condutor da trama e a partir dela, o filme ilustra as experiências ao longo da vida e dentro dos relacionamentos que moldam a maneira como lidamos com as pessoas que estão por perto. Uma relação difícil com a mãe e um “sufocamento emocional” do marido, por exemplo, tornam Mari refém dos próprios medos e do próprio conforto - e nos deixa claro que estabilidade nem sempre é sinônimo de tranquilidade.

    Colocar as próprias convicções no liquidificador pode mudar o rumo da vida. Mais do que isso, talvez, se permitir mudar de ideia seja a grande “chave” não para a felicidade, mas para seguir em frente. “Desde quando você quer isso?”, “desde agora”, conversam Isis e Fred em um de seus (vários) momentos de virada. 

    A Porta ao Lado questiona o que significa ser fiel e o que define uma traição 

    No modelo de casamento tradicional, a resposta para esses questionamentos é simples: traição é quando um dos parceiros se envolve (ou tenta se envolver) com outra pessoa. Não para Isis e Fred que, no filme, tem um acordo completamente diferente sobre o que significa ser leal ao outro. Não vamos dar spoilers, é claro, mas um dos momentos mais importante de A Porta ao Lado é protagonizado pelo casal que, frente à uma decisão importante a ser tomada, realmente chegam ao centro dessa discussão e do que, para eles, é uma relação de verdadeiro companheirismo. 

    Para Mari e Rafa, as questões de lealdade são outras e A Porta ao Lado representa relacionamentos em que a falta de comunicação sincera é o principal problema. Com medo de se envolverem em discussões mais profundas e do estresse que elas trazem, nenhum dos dois personagem se permite falar o que sente com franqueza. Nem é preciso dizer que essa lacuna tem consequências que, no fim, são mais angustiantes do que qualquer “DR”. O silêncio, a indiferença e a falta de confiança pesam em qualquer tipo de relacionamento. 

    Por que as escolhas dos outros nos afetam tanto? 

    O tema “relacionamento aberto” ainda é, de forma geral, uma novidade. Se por um lado é cada vez mais comum conhecermos casais que decidiram adotá-lo, por outro, a defesa do modelo tradicional ainda é forte. Mas por que uma escolha que é tão individual (e que não diz respeito a mais ninguém além das pessoas envolvidas) gera um debate tão acalorado? O filme de Júlia Rezende nos convida a pensar sobre o assunto a partir do efeito que a observação da casa de Isis e Fred causa em Mari e Rafa.

    Para responder a esta pergunta, o melhor caminho talvez seja olhar para dentro. “Isso incomoda quem não quer viver nesse modelo. Ou quem não tem coragem para isso”, disse a cineasta em entrevista ao AdoroCinema durante passagem pelo Festival de Gramado. A palavra usada pela diretora faz todo sentido: coragem também é um tema importante neste filme justamente porque permitir-se abrir para novas ideias e sair de situações ruins exige esforço. A história, em especial das protagonistas femininas, refletem muito sobre esse assunto e sobre o quanto pode ser difícil (mas libertador) bancar as próprias vontades. 

    Nesse quesito, A Porta ao Lado vem para reforçar que apontar demais para decisões íntimas dos outros é uma atitude muito ligada à percepção que temos de nós mesmos. Quando um casal “despreza” o modelo de relacionamento do outro, dizem muito mais sobre as próprias frustrações individuais. É como se admitir que os outros têm direito de fazer escolhas diferentes da nossa fosse a mesma coisa de admitir que nossas escolhas estão erradas. E uma coisa não tem nada a ver com a outra. 

    A Porta ao Lado dá um “geral” no assunto, mas não se aprofunda em detalhes 

    Para a parte do público que já chega com algum conhecimento sobre o tema proposto ou que costuma refletir sobre relacionamentos, A Porta ao Lado pode parecer um pouco mais superficial. Embora acerte ao dar atenção especial ao desejo sexual e à independência feminina, ficam de fora alguns recortes sociais que também impactam na forma como lidamos com nossos próprios relacionamentos. 

    A personagem de Letícia Colin, por exemplo, namora um homem negro, e em um momento do filme, os dois falam sobre “quem é mais oprimido” - uma discussão que talvez seja importante demais para passar como um detalhe dos diálogos entre os dois. Assim, é como se as ações dela estivessem mais condicionadas ao comportamento do parceiro do que a um entendimento próprio.  

    Questões sobre maternidade, diferença de idade dentro do relacionamento e de masculinidade tóxica também acabam passando de forma mais rápida, como se fossem para cumprir tabela. Sem apresentar os detalhes que fazem parte destes relacionamentos fica mais difícil entender sua complexidade e, principalmente, que o modelo escolhido (aberto ou monogâmico) é apenas um dos incontáveis fatores que podem determinar o sucesso e o fracasso de uma relação. 

    O amor romântico é um tema tão universal, quanto individual e este é o tipo de filme cuja leitura estará muito ligada às nossas percepções pessoais, mais do que à mensagem que o filme queira passar. Ao assistir A Porta ao Lado, vale prestar atenção ao que as decisões dos personagens nos fazem sentir, onde geram identificações e, principalmente, onde nos afastamos deles. Sem resposta para o que funciona e o que não funciona, resta abraçar os riscos que toda relação humana tem.

     

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