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    Rocky, um Lutador
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Rocky, um Lutador

    América, terra de oportunidades

    por Bruno Carmelo

    Em pleno ano de 2016, com o cinema americano extraindo somas faraônicas de suas gigantescas franquias, é interessante rever este filme de 1976, quando a própria noção de blockbuster ainda estava nascendo (apenas um ano antes, com o Tubarão de Spielberg). Rocky foi o primeiro grande filme de boxe como metáfora de uma América em expansão, consolidando a indústria do entretenimento e o mito da “terra de oportunidades”.

    Rocky (Sylvester Stallone) é um americano comum, descrito como pouco inteligente, e não particularmente talentoso no boxe. O roteiro trabalha a noção de corpo versus cérebro: Rocky tem um corpo musculoso, por isso faz bicos de cobrador para um agiota, e pratica o boxe. A garota por quem se apaixona, Adrian (Talia Shire), é descrita como uma mulher inteligente (ela usa óculos de aro grosso e é tímida, seguindo o clichê) e de corpo frágil, sendo presa fácil das agressões do irmão Paulie (Burt Young).

    Ironicamente, o boxeador é recompensado por ser medíocre em suas atividades: um dia, o grande lutador Apollo Creed (Carl Weathers) decide desafiá-lo pela disputa do cinturão dos pesos pesados. Rocky é escolhido por seu nome italiano, e por ser uma presa fácil. O mais interessante no personagem de Creed é a combinação entre arrogância e talento publicitário: ele é o personagem que melhor compreende o funcionamento do showbusiness. Quando apresenta a ideia da luta contra um azarão, ouve de sua equipe a resposta “Isso é muito americano!”, à qual replica: “Não, isso é muito esperto”. A construção de marketing do mito americano ganha tons deliciosamente cínicos.

    Assim, o filme não propõe um embate entre o lutador experiente e um amador, e sim entre o fabricado e o autêntico, o produto industrial e o manufaturado. Não por acaso, o diretor John G. Avildsen faz questão de inserir Rocky nas ruas da Filadélfia, explorando muito bem o ambiente popular, as pequenas lojas, os apartamentos velhos e apertados, os becos sombrios. Com sua dicção atrapalhada e o corpo musculoso, mas não atlético, Stallone compõe um perfeito brutamontes, tocante por sua ingenuidade e sua solidão. Aliás, o retrato do amor entre solitários é emocionante neste filme - vide o primeiro beijo atrapalhado entre Rocky e Adrian. Num mundo de imagens tristes e azuladas, a noção de terra de oportunidades transpõe-se também ao amor: qualquer um pode encontrar seu par.

    Em termos de linguagem cinematográfica, Avildsen combina os recursos clássicos do cinema de ouro hollywoodiano (zoom no rosto dos atores durante uma frase de efeito, plano e contra plano), com efeitos mais interessantes através da montagem paralela crescente (a famosa cena de treinamento) e uso ostensivo de trilha sonora para manipulação dos sentimentos, algo que marcou toda a linguagem dos blockbusters. Em termos sensoriais, ainda estamos distantes do ultrarrealismo das produções do século XXI: os socos de Rocky não chegam nem perto do rosto de Creed, a maquiagem é bastante falsa. O filme acredita na suspensão da descrença do espectador.

    O que torna Rocky, um Lutador tão memorável é ao mesmo tempo sua simplicidade e sua esperteza. Simplicidade, porque não existem tramas paralelas, não são incluídos grandes valores morais ou sentimentais (Rocky não luta para superar um trauma, por exemplo, como se tornou comum no gênero). Existe apenas uma luta durante a história, e Rocky acaba envolvido no espetáculo sem compreender seu mecanismo, ou seja, sem o objetivo de vencer ou de impressionar. O protagonista é um incrível “homem sem qualidades”, alguém cuja inteligência limitada é transformada em sinal de pureza.

    A esperteza do roteiro provém do fato de driblar os objetivos do esporte: o roteiro não quer transformar Rocky em um grande lutador profissional, apenas em alguém competitivo o suficiente. Neste sentido, o final é excelente, por evitar a dicotomia vencedor-perdedor ao oferecer uma mistura um pouco amarga entre os dois polos, com uma combinação bastante inteligente do som (que sugere uma derrota, através da voz do locutor) e da imagem (que sugere a vitória, pela presença de Adrian no ringue). Com a imagem congelada, que se tornou símbolo da franquia, o diretor permite ao público degustar o impacto da conclusão. Nasce um personagem memorável e um dos melhores filmes de boxe de todos os tempos.

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