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    Os Jovens Baumann
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Os Jovens Baumann

    Os fantasmas se divertem

    por Bruno Carmelo

    Este curioso longa-metragem se articula entre dois tempos (o passado e o presente) e duas linguagens (a ficção e o documentário). A maior parte da narrativa se concentra nas fictícias fitas VHS encontradas no casarão da família Baumann, onde oito primos jovens passaram suas últimas férias antes de desaparecerem. No tempo presente, uma narradora se questiona: o que teria acontecido a eles? A resposta se encontraria na filmagem caseira de uma das primas? Parte-se, portanto, de uma premissa clássica do suspense, e do cinema de gênero em geral: o cinema como investigação. O espectador logo descobre, no entanto, que esta é uma pista falsa: a diretora Bruna Carvalho Almeida não tem a menor intenção de desvendar o paradeiro do grupo.

    Adentramos um caminho contraditório: o roteiro é guiado por uma narradora que nos conta, a priori, o que encontrou – e principalmente, o que não encontrou – nas fitas, depois de vê-las em sua integralidade. Mesmo assim, narra os fatos como se estivesse presenciando as cenas pela primeira vez, como se alguma pista sobre o sumiço ainda fosse possível. A estrutura oscila entre manter o prazer do suspense e o orgulho de não depender dele para se desenvolver, ou seja, a possibilidade de romper com as expectativas. O filme quer e não quer ser um projeto de gênero. Ora ele se leva a sério, como construção de um pequeno documento histórico, ora apenas aproveita a brincadeira do falso documentário, o prazer de recriar imagens em estilo 1990, com textura de VHS, em tempos de digital 4K.

    As partes situadas no passado são as mais fortes do projeto. Ainda que a direção de arte soe exagerada, a sucessão de festas, brincadeiras à beira do rio e refeições é conduzida com desenvoltura pelos atores. Os diálogos são ótimos, as brincadeiras soam plausíveis. É uma pena que nenhum personagem seja aprofundado – os jovens Baumann são intercambiáveis, e a narrativa jamais explora a sua singularidade, no caso, sua condição social privilegiada. Em nenhum momento se discute politicamente a relação dos primos com suas posses, ou ainda com os adultos ou o resto da sociedade. Se não nos dissessem que se trata da família mais importante de Santa Rita d’Oeste, poderiam passar por um grupo de amigos de férias no casarão decadente do tio de alguém.

    O roteiro se contenta com pequenas alusões poéticas a uma situação de clausura (a bela metáfora do cavalo em fuga) e uma ou outra citação, de passagem, à reforma agrária e conflitos sociais. No entanto, estes herdeiros parecem pouco interessados em sua posse, pouco interessados no luxo. Eles são um tanto desprendidos de amarras sociais, de sexualidade e gênero, atípicos para uma família dita tradicional e interiorana. A fraca narração no presente – empostada demais, equivocada em tom e abordagem – se revela incapaz de trazer algum questionamento relevante a respeito das imagens vistas, nem mesmo interrogando-as sobre a distância para o tempo presente. As imagens atuais são apáticas, incapazes de explorar os espaços da casa ou lançar reflexões para além da retórica sobre o paradeiro dos personagens.

    Ao menos, Os Jovens Baumann se impregna de uma ambientação nostálgica convincente, aludindo à possibilidade de estas pessoas, na verdade, estarem presas numa imagem, como fantasmas. Os protagonistas não se comunicam com o mundo exterior, não deixam traços na posteridade. Eles são pura exterioridade e gozo, puro sorriso e bebidas, mergulhos e piadas. Além disso, são pura representação. A diretora constrói uma espécie de found footage da frustração, como se tivesse encontrado um material valiosíssimo no qual, enfim, não encontra resposta alguma.

    Assistir a estas imagens sabendo que os personagens desapareceram produz um ruído importante: o pequeno vídeo de férias se transforma em testamento. Seria muito interessante se a direção tivesse se aprofundado nos aspectos cinematográficos e políticos de seu filme de fantasmas, ao invés de dedicar tanto tampo a uma narrativa estagnada, repetitiva, tão verossímil quanto trivial. O mistério fictício dos Baumann continua em segredo, assim como o mistério ainda mais complexo da presença destes jovens na sociedade, e da relação entre as imagens de ontem e aquelas do século XXI.

    Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.

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