Assassino como eu e você
por Bruno CarmeloEste suspense começa com uma cena espetacular. Dois homens caminham à beira de um rio. O trem passa ao fundo. Um deles pega uma pedra e golpeia o outro várias vezes na cabeça. O sangue espirra no rosto do criminoso. Depois ele queima o corpo, possivelmente à vista de passantes. Não há dúvidas, portanto: o assassinato é dado como fato. Logo depois, Misumi (Koji Yakusho) se entrega à polícia e admite, com calma, ter matado o patrão da empresa onde trabalha. Mas por que teria cometido o crime? Por que continua mudando de versão a cada depoimento?
O Terceiro Assassinato parte do ponto em que a maioria das tramas policiais terminaria. O responsável é identificado, existem provas contra ele, uma confissão, antecedentes criminais. No entanto, para o diretor e roteirista Hirokazu Kore-eda, o que importa é compreender este homem e o julgamento dos outros sobre ele. Aqui, não existe o bem contra o mal: todos os homens envolvidos são curiosamente parecidos em termos de crenças, medos, convicções. O assassino Misumi, seu advogado, Shigemori (Masaharu Fukuyama) e a vítima são homens solitários, os três com filhas adolescentes, confrontados de certo modo à pequena corrupção dos homens sem poder.
O roteiro se desenvolve como um labirinto: diante da transparência dos fatos, existe um abismo na personalidade do réu. Ele é um “recipiente vazio”, como descreve um familiar. Um homem de personalidade neutra, sem interesses, paixões, amores nem ódios. Um tipo no qual juízes, advogados, promotores e amigos podem projetar o que quiserem – Misumi seria um criminoso perigoso, merecedor da pena de morte? Um pobre coitado, vítima das consequências? Um tipo frio, como um psicopata? Um homem que merece punição exemplar? Shigemori manifesta pouco interesse em descobrir a verdade: ele pensa apenas na melhor estratégia de defesa para seu cliente. O que ocorreu, ninguém nunca saberá, acredita. O que importa é a imagem vendida ao júri, a ficção construída pela defesa.
Neste aspecto, o filme se revela tão cético quanto consciente de sua posição de manipulador. Kore-eda interroga o próprio cinema ao desconstruir camadas da ficção e quebrar o contrato implícito de confiabilidade com o espectador. O que acontece se alguma imagem do filme for falsa? Se o diretor mostrou ao público algo que nunca aconteceu? Que talvez não corresponda à visão de nenhum personagem, apenas ao diretor? Um filme pode mentir? Como espectadores, tendemos a acreditar nas imagens que nos são mostradas. Afinal, nós vimos com nossos próprios olhos. Mas a imagem pode ser enganosa, modificada pelas vontades e desejos de quem a interpreta. O Terceiro Assassinato se constrói como uma obra fascinante e provocadora, pedindo ao espectador que reflita muito além das dúvidas sobre os motivos de um crime.
Enquanto constrói seu quebra-cabeça, o diretor trata de desconstruir os fetiches do cinema de investigação. Os advogados são falhos, a investigação é preguiçosa. O sistema judicial não é caótico, porém marcado por imperativos de lucro – um novo julgamento seria caro e demorado demais, então a defesa e a promotoria investem numa sucessão de inconsistências lógicas e legais de ambos os lados. As imagens evitam a beleza e solenidade dos tribunais: as luzes frias e diretas das lâmpadas sugerem o cansaço, a repetição, enquanto a fotografia faz o possível para captar as peles transpirando, os cabelos desarrumados. Estas pessoas não são obcecadas pelo caso – elas têm uma vida fora dos tribunais, mostrada com devida simplicidade pelo roteiro.
Assim, à medida que o filme força os não criminosos a se identificarem com os criminosos, ele convida o público a se identificar com ambos. Entre questionamentos complexos sobre o destino, a origem da criminalidade, o perdão, a pena de morte e a prisão perpétua, O Terceiro Assassinato traz um excelente estudo de personagens, complexos e dúbios como pessoas reais. O magnífico Koji Yakusho compõe uma figura tão distante em termos psicológicos quanto acessível, próxima de todos nós. Quanto mais o réu se revela, menos ele se esclarece. É prazeroso encontrar um cinema que valoriza as dúvidas e reflexões em detrimento das verdades.