Receita de simplicidade
por Bruno CarmeloTeresa (Paulina Garcia) precisa fazer uma viagem, mas não consegue. Esta empregada doméstica de meia-idade, que trabalha há décadas com a mesma família, está prestes a trabalhar para outra casa de parentes dos patrões, necessitando efetuar uma travessia longuíssima até o destino. Mas o Destino, com letra maiúscula, impede a mulher de se mover: o ônibus quebra. Quando chega outro veículo, ela fica presa em uma loja. Quando tem a oportunidade de sair, sua bolsa desaparece.
A Noiva do Deserto se constrói como fábula. Não existe verossimilhança nesta sucessão de empecilhos: o roteiro ostenta grande prazer em criar problemas para vender a solução. Teresa torna-se uma marionete, fruto das circunstâncias. Ela se move onde o roteiro lhe permite, embora tome poucas iniciativas próprias. O drama deseja entregar, como presente providencial, um dia atípico na vida desta mulher, mesmo que para isso precise alterar todo o funcionamento de uma cidade em função dela. O resultado é tão doce quanto artificial.
Ironicamente, a personagem tinha profundidade de sobra para despertar conflitos internos, psicológicos, e não apenas truques vindo do mundo exterior. Os flashbacks, de cor pálida e câmera fixa, apresentam a rotina agridoce da mulher, perdendo o filho simbólico – o jovem que criou desde o nascimento, mas agora está prestes a se casar. A partida do rapaz gera um sentimento de luto muitíssimo bem filmado, em especial nas cenas dentro do quarto da empregada. O retrato realista, no tempo passado, se mostra muito mais interessante do que o presente fabular, em cores saturadas sugerindo otimismo.
O grande mérito deste projeto é Paulina Garcia. A excepcional atriz de Gloria e A Cordilheira efetua impecável composição de uma mulher pouco instruída, mas não ignorante, simples, porém não simplória. Cada olhar, gesto ou diálogo é trabalhado à perfeição pela intérprete, capaz de sugerir elementos da personalidade da protagonista que sequer figuram no roteiro. Como par romântico, Gringo (Claudio Rissi) também se sai bem na intersecção entre brutalidade e gentileza. O romance entre eles é tão improvável quanto qualquer outro elemento da trama, e talvez por isso funcione ao espectador disposto a abrir mão de cobranças realistas.
A Noiva do Deserto se conclui com a sensação de dever cumprido. A mulher triste recebe seu dia improvável, cor-de-rosa, como um sonho. O problema é que, para isso, o filme coloca a protagonista em posição passiva, funcionando como espectadora dos acontecimentos ao redor. Além disso, romantiza atitudes condenáveis de seu pretendente e sugere que tudo de que a mulher solitária precisava era a boa e velha companhia masculina. Para uma obra escrita e roteirizada por duas mulheres, Cecilia Atan e Valeria Pivato, a emancipação de Teresa deixa um gosto agridoce.
Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.