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    Lua de Júpiter
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Lua de Júpiter

    Super-herói húngaro

    por Francisco Russo

    Imagine a situação: um homem em fuga é atingido pela polícia por uma saraivada de tiros, mas, ao invés de morrer, passa a deter o dom de levitar - e uma certa invulnerabilidade, que proporciona a rápida recuperação dos ferimentos. Tal origem poderia facilmente estar numa história em quadrinhos, mas foi a inspiração maior para Jupiter's Moon, o novo trabalho do diretor húngaro Kornél Mundruczó, selecionado para a disputa pela Palma de Ouro. Ou seja, o Festival de Cannes tem também um filme de super-herói para chamar de seu.

    Brincadeiras a parte, Jupiter's Moon é uma ficção científica ambiciosa e, ao mesmo tempo, confusa. A começar porque o tal homem em fuga é um refugiado que tenta entrar na Hungria, o que automaticamente traz para o filme uma questão urgente que assola boa parte do continente. O preâmbulo coloca ainda mais lenha na fogueira ao trazer para o cenário uma metáfora simplista e, de certa forma, preconceituosa envolvendo as luas de Júpiter - em especial Europa, a única em condições de abrigar a vida. Ou seja, o filme declara abertamente que os demais continentes não são capazes de abrigar vida com qualidade. Por mais que tal situação seja frequente junto aos refugiados, a generalização incomoda.

    Diante deste cenário, chama a atenção a habilidade do diretor em transformar a fotografia numa espécie de cocriadora da narrativa. A partir de uma câmera nervosa e inquieta, personagens e a própria história são apresentados de forma inusitada, seja pelos ângulos buscados ou pelos breves planos-sequências, pulverizados ao longo do filme. Trata-se de uma estrutura narrativa que o próprio Mundruczó já havia utilizado com sucesso em seu filme anterior, o premiado White God, mas desta vez ele vai ainda mais longe devido à instabilidade constante da própria câmera. É como se o mundo estivesse perdido, sem saber o que fazer, por isso a busca constante por alguma possível saída, seja ela qual for.

    Por mais que tal proposta seja bastante interessante, e renda cenas muito boas como a da perseguição de carro e quando um apartamento literalmente vira de cabeça para baixo, Jupiter's Moon peca especialmente em dois problemas cruciais: o roteiro raso, que constantemente dá voltas em torno do mesmo tema, e as citações à religião. Alternando um tom crítico a comparações com anjos e o próprio Jesus Cristo, o filme entra numa vala comum onde o que supostamente deveria ser profundo, motivando alguma reflexão, torna-se risível. Mesmo questões até pertinentes envolvendo fanatismo religioso se perdem em meio à tendência ao endeusamento pela qual o filme caminha, pelo simples fato de não conseguir descrever o porquê daquilo ter acontecido - não há explicação, logo, trata-se de Deus.

    Ainda dentro destas comparações, chama a atenção a posição contraditória em que László (Gyorgy Cserhalmi, dono de uma deliciosa voz ardilosa, típica dos vigaristas), um médico que a princípio deseja ganhar dinheiro em cima da habilidade recém-descoberta por Aryan (Zsombor Jéger), passa a ter ao migrar do cético descrente rumo à representação dos "humilhados serão exaltados", mantra clássico da Bíblia. Ou seja, este na verdade é um filme carola que se traveste de crítico às religiões em geral. Nada contra, desde que seja bem fundamentada - o que não acontece.

    Diante de tantos problemas de roteiro, resta a Jupiter's Moon apenas o inusitado da movimentação de câmera, sempre bem orquestrada. Ainda assim, com o passar do tempo tal artifício perde força devido à repetição contínua, tornando-se também cansativo. Vale destacar também a eficácia dos efeitos especiais, por mais que em vários momentos fique bem claro que tudo se trata de uma simples superposição de imagens. Como este é um filme de super-herói em tom realista, que não exige tamanha excelência, até funciona.

    Filme visto no 70º Festival de Cannes, em maio de 2017.

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    Comentários

    • Klebson Barros
      Olha, entendi da narrativa o seguinte: Você pode ser anjo, Deus, mágico, Jesus o escambau, mas nunca vai se livrar de ser um refugiado e ser perseguido. E isso o filme demonstra o tempo todo, literalmente do começo ao fim. Um garoto totalmente normal, na leitura dele, com motivações inofensivas, é tratado como uma anormalidade, e isso é justamente a brincadeira do diretor. O filme passa longe de ser de super herói húngaro, é um filme sobre perseguição aos refugiados. Achei injusta a nota.
    • Deniomar Brose
      Filme hiper Cult do momento!
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