Narrativa ou doutrina?
por Lucas SalgadoContar uma história ou fazer doutrinação? Esta é uma dúvida que geralmente se oferece para o cinema de cunho religioso. E, na maioria das vezes, o mesmo prefere seguir o caminho da pregação. Assim, geralmente atinge somente aqueles que já possuem elementos de religiosidade. E isso é, mais uma vez, o que acontece com Eu Só Posso Imaginar.
Relativamente bem estruturado, o longa até parece que vai privilegiar a narrativa em prol da propaganda gospel, dedicando um bom tempo a introduzir seu protagonista e sem a necessidade de colocá-lo em situações forçadas. No entanto, no que a trama vai se desenvolvendo, o elemento religioso vai entrando em cena e tomando conta de boa parte das ações. E pior, por vezes, o discurso apresenta algo que não necessariamente é visto em cena, como uma redenção completa de certo personagem.
Inspirado na história por trás do hit gospel "I Can Only Imagine", o filme até consegue despertar certo interesse no espectador não familiarizado com a cena de músicas religiosas dos Estados Unidos, mas a necessidade de uma final apoteótico e a permanente tentativa de fazer emocionar acaba prejudicando o andamento.
Bart Millard é um jovem garoto do interior do Texas. Ele vive com um pai abusivo, que desconta nele o fato de não ter conseguido levar à frente seu sonho de ser um jogador de futebol americano. A mãe também sofre com a violência do patriarca, o que a faz fugir e deixar o menino para crescer sozinho com o pai. Já crescido, ele vê sua paixão pela música se tornar algo maior e deixa tudo pra trás para buscar o sucesso.
A trama é repleta de clichês e conta com problemas sérios de desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que investe no drama familiar, o filme conta a história de como Bart conheceu Shannon, uma garota que acredita que eles estão destinados a ficar juntos. A relação é tão súbita que não desperta o interesse no espectador.
Bart é vivido por J. Michael Finley, ator de larga experiência na Broadway, mas que mostra não estar preparado para um papel de protagonista. Ele parece ter sido escolhido apenas por sua voz, mas lhe falta carisma e desenvoltura em cena. Dennis Quaid - no modo "preciso pagar as contas" - e Cloris Leachman são os nomes mais conhecidos do elenco, mas pouco entregam em cena.
Musicalmente - independentemente de um interesse prévio no gênero gospel -, o filme é bem trabalhado. Finley realmente sabe cantar e os números com canções são bem inseridos na trama.
Dirigido por Andrew Erwin e Jon Erwin, I Can Only Imagine (no original) é uma obra pobre narrativamente. E que também falha do ponto de vista espiritual, sempre optando pelo caminho mais fácil.