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    Últimos Homens em Aleppo
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Últimos Homens em Aleppo

    A guerra escancarada

    por Francisco Russo

    Imagine ver diante de si a guerra como ela é, em toda a sua crueza. A destruição, os sonhos eliminados, o desespero, corpos decepados, crianças mortas. Tudo real, sem efeitos especiais. E, em meio à desolação, uma nova definição para a palavra herói. Sem superpoderes ou habilidades especiais, nada disso. Pessoas comuns, que agem porque assim é necessário, em momentos de crise. Eles mesmos jamais se classificariam como tal, porque esta é sua compreensão sobre a vida. Simples assim.

    Last Men in Aleppo, estreia de Feras Fayyad na direção, é um documentário devastador. Daqueles que te deixam mal, arrasado, ao término da sessão - e, em parte, vem daí sua excelência. Não é possível tratar do tema abordado, e sua gravidade, sem incomodar o espectador. Seria leviano, ideologicamente, e uma fraude, como retrato da realidade. Tudo que o filme não quer ser.

    Extremamente político, o longa-metragem acompanha de perto - bem perto - os esforços de uma equipe dos Capacetes Brancos, organização civil formada na Síria para ajudar as vítimas dos constantes bombardeios russos na região. Mais do que retratar os eventos, o interesse do diretor é em compreender tamanho esforço. A proximidade e a confiança que consegue junto ao grupo, especialmente em relação a alguns de seus membros, possibilita a captação não só de momentos críticos (e dolorosos), onde agir é mais valioso que pensar, mas também de questões íntimas, onde o pensamento fica claro através de um olhar ou uma frase solta. São os detalhes que tanto revelam, sobre a humanidade existente em meio à guerra.

    Diante de tamanha dureza, é fácil se afeiçoar àqueles que buscam amenizar a dor. Só que Fayyad não deseja propriamente falar de heróis e vilões - essa dicotomia, no fim das contas, é o que menos importa, por mais que seja explícita. O altruísmo presente, escancarado através de atos e também de sorrisos, nos necessários momentos de respiro - para os envolvidos e também o espectador -, são tocantes porque atingem a essência do que deveria ser humano. É devastador ver momentos de felicidade, súbita, serem destroçados pela necessidade de olhar para o alto e observar onde a próxima bomba explodirá. Preste atenção: não se trata de "se cairá", mas de "onde cairá". A tragédia iminente não pode ser evitada, apenas minimizada.

    Historicamente, o trabalho do diretor e sua equipe também tem grande valor pelo registro de uma cidade em ruínas, esburacada pelos constantes ataques. Há no filme imagens impactantes de bombardeio, pela implacável destruição provocada em detalhes. Impossível não lembrar das cenas verídicas utilizadas na ficção A Mundana, lançada por Billy Wilder em 1948, que retratam uma Berlim semidestruída pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Mais de cinquenta anos depois, a história se repete: mudam-se os nomes e até os motivos, mas não a incapacidade humana em respeitar a diversidade.

    Por mais que seu roteiro escancare o inevitável desfecho, pelos cacoetes narrativos empregados, isto em nada minimiza o impacto do mesmo quando enfim acontece. Difícil e extremamente pesado, Last Men in Aleppo brilha ao ser factual sem perder o olhar no ser humano, alternando devastidão com valiosos momentos de felicidade genuína, onde é possível até mesmo falar da universalidade do futebol. Um documentário contundente e valioso, para ver, refletir e chorar.

    Filme visto no CPH:DOX, em março de 2017.

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