Decifra-me ou devoro-te
por Francisco RussoAos que se arriscarem a assistir este filme, de antemão lanço um alerta: é preciso mergulhar sem medo em sua proposta narrativa, de forma a apreciá-lo. Sem a menor vontade em entregar respostas, Jessica Forever é um filme estranho que quer muito mais incitar o questionamento do espectador do que qualquer outra coisa. Isto, é claro, com uma pitada de crítica social embutida.
Para início de conversa, pouco se sabe sobre a tal Jessica do título e, também por isso, há uma série de questionamentos em torno do porquê dela ser a líder de uma seita paramilitar e os motivos de ser tão endeusada pelos demais integrantes da trupe. Soma-se ainda a absoluta ausência de desejo sexual existente entre ela e seus "súditos", por mais que o tempo todo haja uma exaltação ao físico. É como se, entre eles, a libido não existisse, sendo direcionada apenas a quem está fora da trupe. Reflexo direto da obediência cega às regras internas do grupo, algo que norteia absolutamente todos os personagens.
Por mais que também não seja esmiuçada, pode-se até deduzir que tamanha obediência vem do carinho e afeto de Jessica ao receber tais órfãos excluídos da sociedade, devido às tendências violentas e homicidas que possuem. Há aí um contraste de cunho social: se por um lado eles apenas desejam atenção, por outro nem sempre conseguem controlar o desejo de matar. Como equilibrar os interesses do indivíduo em meio às regras de convívio em sociedade é a chave, e o que Jessica consegue é direcionar tal foco para um objetivo específico: combater as Forças Especiais e seus drones assassinos (!!!). Se você acha que há alguma explicação sobre quem são os inimigos, (ainda) não entendeu que, neste filme, a proposta é confundir.
Não por acaso, Jessica Forever ainda envereda pelo fantástico de uma forma absolutamente orgânica, enquadrada dentro da realidade retratada. A ausência de espanto por parte dos personagens ressalta o quão natural é sua presença, o que também revela que este não é o mundo em que vivemos, por mais que possua correlações diretas à realidade contemporânea, como o culto ao corpo e, para alguns, o fetiche em torno das armas e a seitas de todo tipo, no sentido da confiança existente no trabalho em grupo. Ainda assim, dentro desta unidade bem particular, o longa dirigido pelos estreantes Caroline Poggi e Jonathan Vinel não se furta de retratar também o peso inerente de tal universo tão violento, que cobra seu preço no aspecto psicológico.
Repleto de elipses intencionais que tanto surpreendem quanto plantam inúmeras dúvidas, Jessica Forever é um filme instigante que desafia o espectador a desvendar os códigos de tal realidade, através de seus simbolismos que remetem ao cotidiano. A grande questão é que, por mais misterioso e interessante que seja, o filme jamais consegue ir além de tal proposta, como se estivesse preso apenas à tal ideia do desconexo. Faltou aos promissores diretores ir além de sua prerrogativa, de forma a desenvolver uma narrativa que consiga ser mais que um reflexo distorcido da realidade.