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    Górgona
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Górgona

    A atriz e sua imagem

    por Bruno Carmelo

    Fazer um filme sobre Maria Alice Vergueiro, aos 83 anos de idade, representa um risco. Os diretores Pedro JezlerFábio Furtado poderiam efetuar uma releitura histórica de sua carreira, compor um retrato elogioso de seus colegas, explorar as imagens de arquivo de suas principais peças. A dupla foge da armadilha hagiográfica e opta por um recorte mais simples: os bastidores da encenação da peça "As Três Velhas", no momento em que a atriz luta para conseguir o financiamento necessário e reflete o desgaste físico decorrente do mal de Parkinson.

    Este seria, de certo modo, um filme-testamento, elaborado no crepúsculo de uma carreira, embora ainda reflita a vontade vigorosa de fazer arte. Mas talvez o procedimento mais importante para discutir Górgona seja dissociar a biografia da biografada. Como atriz e figura icônica do teatro, Maria Alice possui um talento incontestável e ousadia impressionante. Diante das câmeras, ela brinca, revela a aflição de ser beijada por fãs após a peça, critica a falta de dinheiro, a necessidade de recorrer aos bancos, de participar de telenovelas da rede Globo para se tornar famosa – e consequentemente trazer mais público para os espetáculos.

    O documentário se sai melhor enquanto retrato da resistência da arte marginal e independente, lutando contra discursos hegemônicos e estruturas padronizadas para agradar as massas. Os atores, acostumados a serem vistos, expõem seus corpos, suas opiniões, suas dificuldades financeiras uns aos outros. Não se sabe ao certo em que medida estão sendo espontâneos ou interpretando uma versão de si mesmos para a câmera, especialmente Maria Alice. É difícil separar a atriz da persona, o ator do personagem. A confusão entre essência e aparência traz uma interessante camada de reflexão ao projeto.

    O modo de captar as interações humanas e artísticas, no entanto, transparece problemas. Primeiro, a câmera nunca sabe muito bem até onde pode ir, ou o que deseja mostrar. Ela está presente, mas oscila entre os rostos sem ter um foco preciso, e se retira quando mandada. De certo modo, o olhar da direção está refém dos atores, dependente do que estes têm a oferecer. É claro que seria indesejável provocar cenas ou estimular comportamentos artificiais, porém os cineastas tampouco expressam qualquer tipo de metáfora, poesia pelas imagens, ou algum tipo de crítica ou ironia pela montagem. Este é um cinema de apreensão, ao invés de construção.

    As deficiências se agravam nos aspectos técnicos. A captação e mixagem de som são bastante fracas – as falas se tornam ou inaudíveis, ou estouradas ao limite do incômodo. Algumas conversas precisam de legendas, outras aparecem legendadas sem real necessidade. A câmera treme muito de um lado para o outro, enquanto a luz não consegue se adaptar ao escuro profundo dos bastidores, ou às luzes claras e frias do camarim. É louvável explorar as tonalidades do local, porém o projeto apresenta dificuldade em contornar obstáculos de produção.

    O resultado vale como recorte de uma arte em risco. A estética amadora condiz com o desejo de fazer teatro a qualquer custo, mesmo que esta forma se revele incapaz de imprimir distanciamento e, por consequência, uma reflexão social e artística sobre esta precariedade. No que diz respeito a Maria Alice Vergueiro, resta o singelo exercício de observação, ou ainda a sensação de que Górgona constitui apenas aquilo que a atriz decidiu mostrar por conta própria.

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