Bem-vindo ao inferno
por Francisco RussoDe início, Motorrad empolga. A abertura extremamente visual, explorando o estilo próprio das graphic novels a partir de cores dessaturadas aliado a uma edição ágil, com um abuso de imagens captadas por pequenas câmeras meticulosamente posicionadas, traz de imediato uma vibração poucas vezes vista no cinema brasileiro. Soma-se a isto a opção do diretor Vicente Amorim em estabelecer seus personagens principais sem qualquer diálogo, trazendo força e mistério a um ambiente repleto de códigos a serem decifrados. Uau!
Tal sensação, entretanto, dura pouco. O surgimento da primeira fala já esclarece que a ousadia narrativa tem limites, em nome de algo mais palatável. A escancarada opção pela forma como meio de contar uma história ainda mantém o interesse, muito graças ao estilo próprio em torno dos motoqueiros e também a vastidão da Serra da Canastra, local-personagem desta trama. Motorrad depende tanto destes elementos quanto do som possante dos motores, de forma a estabelecer um tom radical que funcione tanto esteticamente quanto na própria narrativa.
É neste segundo item que, pouco a pouco, o longa apresenta suas fragilidades, especialmente a partir da aparição do icônico muro de pedra: com a barreira desmontada, todos adentram o inferno desconhecido. É o início de uma verdadeira caçada executada pelos tais motoqueiros espectrais, vilões estereotipados que sempre se escondem sob capacete e vestem preto. A opção pelo desconhecido remete a Encurralado, clássico do suspense dirigido por Spielberg lá nos anos 70, mas a ausência de justificativas para tal perseguição soa como fragilidade, justamente pela ausência de tensão - aqui, a única provocação feita é justamente adentrar território alheio.
Com tão pouco a revelar sobre a trama, resta a Motorrad explorar a estética em torno das mortes empregadas. É quando o filme flerta de vez com o terror, seja através das execuções feitas ou mesmo pelos enquadramentos e trucagens sonoras adotados. Se o descarte de personagens secundários é até mesmo uma característica do gênero, aqui eles soam ainda mais gratuitos pela ausência de peculiaridades que os diferenciem. São corpos a serem queimados, esquartejados ou empalados, apenas isto.
Diante de um roteiro tão vazio, a proposta estética não consegue manter o interesse por longos 92 minutos, que se arrastam sem piedade. A exigência física em uma narrativa que entrega muito de estilo e pouco de conteúdo prejudica também o próprio elenco, que não tem chance de apresentar algum diferencial. Sem falar que o texto entrega alguns momentos constrangedores, de puro desprezo com a própria dinâmica entre os personagens, como a súbita aparição de um revólver.
Se por um lado Motorrad merece aplausos por assumir o risco de encampar a estética de uma graphic novel no cinema, ainda mais com as dificuldades existentes no Brasil, por outro carece de um desenvolvimento que permita que vá além do mero exercício estilístico. Se como técnica há nele vários pontos interessantes, falta roteiro para que alcance a excelência buscada de forma a, até mesmo, melhor valorizar o apuro tão bem executado por Vicente Amorim e sua equipe.