O show de Gary Oldman
por Renato HermsdorffAdaptar histórias reais para o cinema é um exercício que inerentemente cai na romantização dos fatos ou dos personagens. Mas, claro, há diferentes níveis de idealização. O grande trunfo por trás de O Destino de uma Nação é trazer a abordagem de um controverso estadista de forma... controversa. O Winston Churchill de Joe Wright é complexo e falho, o que ajuda na humanização do político. Mas o filme não escapa da armadilha do exagero biográfico.
Passado em 1940, o longa acompanha os primeiros dias de Churchill (Gary Oldman) como primeiro-ministro da Grã-Bretanha, cargo que assume quase que de forma acidental. E ele tem que encarar uma pedreira: decidir se aceita os termos de um suspeito acordo de paz com Hitler (para o qual é pressionado), ou se confronta o ditador, o que culmina com a retirada das tropas inglesas na batalha de Dunquerque (tema retratado recentemente por Christopher Nolan nos cinemas).
Portanto, esse não é um caso clássico de cinebiografia do tipo que vai do nascimento à morte. Além de mais desafiador, o recorte é uma vantagem que o roteirista Anthony McCarten (o mesmo de A Teoria de Tudo) traz, por proporcionar mais sutilezas do que o compromisso histórico, propriamente.
Já nos primeiros minutos, enquanto o parlamento pega fogo, insatisfeito com a condução política por parte do líder imediatamente anterior a Churchill, o protagonista é apresentado como um glutão, que não economiza na gordura do café da manhã, no charuto e na bebida alcoólica - e nem na falta de paciência com a nova secretária, interpretada por Lily James. Uma vez no poder, ele vai precisar driblar o jeito tempestuoso.
Diretor de adaptações literárias como Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação e Anna Karenina (além de Peter Pan), Joe Wright traz toda a pompa anterior de sua filmografia para cá. Darkest Hour (no original) é uma produção acima de tudo elegante, cujas imagens são resultado de belíssimos planos, muito bem calculados - sobretudo magistralmente iluminados. O que não quer dizer que se trata de um filme sem alma. A beleza plástica combina com a sobriedade do ambiente político tradicional da Inglaterra. Mérito do diretor de fotografia francês Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain).
Pelo menos metade do impacto de O Destino de uma Nação vem da vigorosa encenação de Gary Oldman como Winston Churchill. Sim, por mais que seja difícil reconhecê-lo por baixo de tanta maquiagem e próteses, é o intérprete do comissário Gordon da trilogia "O Cavaleiro das Trevas" quem está por trás (ou por baixo) da essência do filme. (Aliás, um competente trabalho técnico da equipe de caracterização que de fato conseguiu um resultado convincente, sem distrair a atenção do espectador).
A produção é um prato cheio para que Oldman ironize, gagueje, esbraveje. E ele convence, com um registro vigoroso, de pura imersão. (Vale, ainda, uma menção honrosa a Ben Mendelsohn como um polido e impecável Rei George VI).
No terço final é que o roteiro tropeça. Ao jogar Churchill (literalmente) para a empatia do cidadão comum, o filme joga a favor da plateia (ao invés de provocá-la, como até então). E a “forçação de barra” resulta não só inverossímil, como beira o ridículo.
Filme visto no 42º Festival de Toronto, em setembro de 2017