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    O Filho Eterno
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Filho Eterno

    “Normal” demais

    por Renato Hermsdorff

    “Na literatura – na boa literatura, pelo menos –, o poder das escolhas tem um peso”, atesta o escritor Roberto, personagem de Marcos Veras, em determinado momento de O Filho Eterno. E não foram poucas as decisões que o diretor Paulo Machline (do bom Trinta) e sua equipe tiveram que tomar para traduzir em imagens o romance homônimo de Cristóvão Tezza que é praticamente um desabafo em primeira pessoa sobre os desafios de ser pai de uma criança com síndrome de Down – não à toa, no teatro, o texto foi encenado no formato de monólogo (protagonizado por Charles Fricks).

    Assim, o roteiro de Leonardo Levis traz soluções criativas para um material de origem tão subjetivo, ao mesmo tempo em que não evita armadilhas comuns ao processo de transposição do papel para a tela. Assim que descobre que o filho é portador da síndrome – estamos no início dos anos 1980 (aqui cabe um parêntese para o caprichado trabalho da direção de arte, maquiagem e figurino), quando havia menos informações ainda disponíveis a respeito da alteração do cromossomo, e termos como “mongol” eram considerados “aceitáveis” para se referir à condição –, Roberto diz: “Senti as minhas pernas, elas não aguentariam o peso da alma”. Bem, a rigor, cinema é imagem, e a locução em off – e o abuso do recurso no filme – se mostra um caminho fácil para representar as situações.

    Por outro lado, o fato de não fugir do tom duro, severo mesmo, da obra original, é um mérito do roteiro. Depois do baque inicial da notícia, Roberto enxerga a luz no fim do túnel quando “descobre” que crianças com Down “morrem cedo”. Não é fácil. Nem mesmo para a audiência. Mas as dificuldades de lidar com uma paternidade que evolve cuidados extras avança para além do terço final do filme, o que o caracteriza com uma estrutura um tanto repetitiva – e com uma virada brusca na curva final.

    Se adaptar é “trair”, o grande pulo (de cerca) do gato de O Filho Eterno é “inventar” uma mãe (Débora Falabella) para Fabrício (Pedro Vinícius). Esporádica no livro, aqui, apesar de claramente coadjuvante, ela ganha um peso bem maior para a trama. E cumpre bem a função de apresentar um contraponto para a revolta de Roberto. Se a Veras cabe a difícil tarefa de conduzir o filme – o que ele faz sem prejuízo para a obra –, a Falabella sobra inventar lacunas para um papel aparentemente sem contradições (ela está ali para “amar incondicionalmente”), o que a atriz faz com sutilezas. Bondosa na concepção, a personagem dificilmente sorri (e tem um monólogo, contido, digno de prêmios).

    Toda a narrativa, que avança cerca de uma década no tempo, é acompanhada, num arco maior, pela performance da seleção brasileira de futebol no período. Embora óbvia, a metáfora que tangencia a relação pai e filho, em princípio, soa deslocada, mas se justifica de maneira emocionante à medida em que o filme avança.

    Emoção, aliás, é um gol praticamente feito para uma produção com essa temática. E a (aparente) espontaneidade de Pedro Vinícius em cena é de comover os torcedores mais desacreditados. Mas os sentimentos resvalam na pieguice do melodrama, a partir de uma trilha sonora muito presente. Um tanto convencional, O Filho Eterno poderia ser menos “normal”.

    Filme visto durante a cobertura do Festival do Rio, em outubro de 2016.

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