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    Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita não É um Urso que Dança
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita não É um Urso que Dança

    Qual é a sua utopia?

    por Bruno Carmelo

    Entre o fim dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1970, o Cinema Marginal constituiu um movimento essencial na trajetória fílmica brasileira. Reagindo ao contexto político da época, buscando driblar a censura da ditadura militar, as obras promoveram uma linguagem ousada, construída em forma de afronta e interpelação ao público. O personagem privilegiado era ladrões, prostitutas, artistas e outras figuras marginais de um sistema capitalista.

    Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não é um Urso que Dança, de Thiago Mendonça, consegue ao mesmo tempo resgatar a verve contestadora daquele cinema e atualizá-lo para os conflitos políticos e sociais do século XXI. A trama está dividida em seis capítulos e um prólogo, apresentados em ordem inversa: começamos pelo fim, para depois descobrir como aqueles personagens se conheceram e porque tomaram suas decisões. Esta escolha serve tanto para romper com a linearidade tradicional quanto para começar com um choque, um ato extremo do grupo. Só depois se busca a empatia com os personagens. O gesto é arriscado, e coerente com a ideologia da direção.

    Os protagonistas são artistas libertários e libertinos. Eles organizam peças anárquicas pregando os valores do comunismo, do amor livre e do enfrentamento ao Estado atual. O projeto assume uma interessante mistura de ficção e documentário: enquanto os diálogos da trupe nos bastidores fazem parte de uma trama roteirizada, a participação dos atores em manifestações contra a Copa do Mundo e contra a opressão da polícia militar de São Paulo foi registrada nos eventos reais, e incorporada ao projeto. Isso torna Jovens Infelizes ainda mais urgente, mais atual e corajoso, pelos riscos assumidos ao longo da produção.

    Em tela, a narrativa assume seu caráter episódico, mas em momento algum incoerente. Pelo contrário: as experiências artísticas do grupo são associadas à militância política, gerando esquetes provocadoras de ação direta na cidade, como o “Quadradinho da Cruz”, provocação às igrejas neopentecostais, e uma sátira hilária de “New York, New York” adaptada à Cracolândia e encenada em plena Avenida Paulista. Com a inclusão de cenas de orgia e material de arquivo sobre a União Soviética, o filme resgata a noção de arte como elemento subversivo e transformador. Além disso, cria uma contextualização plausível para justificar o descontentamento daqueles jovens e suas posteriores ações guerrilheiras.

    Em meio a diversas obras da 19ª Mostra de Tiradentes que visam a pesquisa estética como finalidade em si mesma, Jovens Infelizes constitui uma excelente combinação de ambições artísticas e políticas, uma prova de que o cinema pode manter um discurso plenamente coeso sem perder seu potencial contestador. Talvez alguns episódios sejam mais bem desenvolvidos que outros, algo já esperado numa narrativa segmentada. Mas esta é uma obra que transpira energia e coletividade, tratando as instâncias do poder com escárnio e os indivíduos desprivilegiados com caloroso humanismo.

    Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.

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