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    Índios Zoró - Antes, Agora e Depois?
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Índios Zoró - Antes, Agora e Depois?

    Turismo exótico

    por Bruno Carmelo

    A premissa deste documentário é fascinante: em 1982, o diretor Luiz Paulino dos Santos criou o curta-metragem Ikatena? Vamos Caçar, a respeito da tribo Zoró. 30 anos mais tarde, ele retorna ao local das filmagens para apresentar seu trabalho aos índios, pela primeira vez. No local, descobre uma tribo transformada, tendo assimilado a religião cristã.

    O embate entre cultura, religião e identidade poderia gerar uma discussão calorosa. No entanto, nenhuma destas questões é aprofundada no filme. As exibições aos índios são mostradas de modo protocolar: filma-se as sessões, as expressões indiferentes nos rostos, mas não se pergunta aos índios uma opinião, um sentimento em relação ao registro de sua cultura. Nos raros momentos em que o cineasta dá voz aos índios, ele fica impaciente com a demora nas respostas e tira suas próprias conclusões, respondendo por eles.

    O tema da evangelização também é abordado de modo superficial. Após um início em que diz defender a cultura tradicional dos Zoró, posicionando-se contrariamente à invasão do mundo “civilizado”, Luiz Paulino dos Santos, um cristão convicto, sobe no palco ao lado do pastor e reitera a palavra de Deus, enquanto o missionário afirma que o documentário está sendo realizado graças à vontade divina. O discurso sobre a mistura do cristianismo com o politeísmo indígena é no mínimo ambíguo. Talvez por perceber que o tema é abordado de modo insuficiente, a pós-produção acrescenta duas ou três canções gospel na trilha sonora.

    O reencontro com os índios tampouco gera o efeito que pretendia. Índios Zoró está longe de ser um Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho, que manifestava amplo interesse social e político por seu tema. No projeto de 2016, o diretor encontra alguns filhos e netos dos índios retratados em 1982. Ele confirma as relações de parentesco, sorri, abraça e a cena se conclui. Perde-se uma grande oportunidade de retratar a percepção dos índios em relação às óbvias transformações dos últimos 30 anos – por exemplo, a tribo agora se veste com camisetas e calças jeans, enquanto tem acesso a Internet e computadores.

    O fato é que o documentário não possui um foco definido sobre seu objeto de estudo. “Nós não temos roteiro”, afirma Luiz Paulino dos Santos no filme, algo incontestável diante do resultado final. Volta-se ao local das filmagens para retratar cenas cotidianas dos Zoró, sem se preocupar em lhes dar protagonismo. Sustenta-se uma idealização assombrosa: o diretor afirma que o território indígena constitui um “paraíso”, um “universo mágico”, e que os índios mereceriam “um planeta diferente do nosso”, de tão puros que são, já que “sua filosofia é o amor”. A ingenuidade se mistura com fetichismo, com um olhar exótico que não contribui em nada à compreensão da cultura alheia.

    Por fim, constata-se que Índios Zoró não é um filme sobre os índios, e sim sobre Luiz Paulino dos Santos. É ele quem aparece na maioria das cenas, falando sobre suas lembranças, elogiando o próprio curta-metragem, ressaltando sua relevância no mundo do cinema, repetindo as práticas dos índios (danças, comidas e ações típicas) sem questionar seu papel de homem branco dentro deste contexto. Ironicamente, os melhores momentos do filme são os trechos de Ikatena? Vamos Caçar, uma obra que parece ser belíssima e bem observada.

    O diretor de 84 anos de idade pode ter uma personalidade agradável, e estar munido das melhores intenções. Ele também possui uma importância notável na história do cinema nacional, tendo produzido Deus e o Diabo na Terra do Sol e se destacado com Crueldade Mortal. Mas o fato é que seu novo projeto esbarra na autocondescendência no egocentrismo, buscando reverenciar a figura de Luiz Paulino dos Santos mais do que a cultura dos índios Zoró.

    Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.

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