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    Filme de Aborto
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Filme de Aborto

    A forma do caos

    por Bruno Carmelo

    Pelo título desta ficção, pode-se esperar uma discussão frontal sobre a questão do aborto na sociedade contemporânea, talvez com direito a reflexões políticas e sociais a respeito da legalização desta prática. Puro engano: o verdadeiro personagem do projeto é o jovem diretor-autor, Lincoln Péricles, cuja direção caótica e antropofágica chama tanta atenção para si mesma que se sobrepõe à temática em tela.

    A premissa diz respeito a um casal lidando com uma gravidez indesejada. Escolhe-se um caminho não-linear e não-narrativo, o que não seria problema algum caso o cineasta adotasse um tipo de experimentação específico e explorasse a fundo todas as suas possibilidades. Mas Filme de Aborto ostenta experiências diferentes e estéticas incompatíveis, como se tivéssemos diversos filmes dentro do mesmo filme. Não há som sincronizado – ou seja, as bocas se movem durante os diálogos, mas as falas não combinam com seus movimentos -, acrescenta-se canções alemãs na trilha sonora, com direito a legendas fictícias, enquadra-se os personagens em cantos espremidos da imagem, adiciona-se trechos cômicos de Charles Chaplin. A sensação de aleatoriedade é um tanto incômoda.

    Ah, a gravidez em questão não ocorre com a mulher, e sim com o homem. Nesta fantasia, os homens engravidam e têm direito a abortar, ao contrário das mulheres. O discurso feminista por trás desta anedota é claro: a proibição do aborto representa uma opressão às mulheres, uma forma de controlar seus corpos e suas ações. Se os homens pudessem engravidar, o aborto teria sido legalizado há tempos. O argumento hipotético tem sua validade, mas se esgota na duração de sessenta minutos. É curioso ver um homem grávido na primeira cena, mas quando ele aparece no consultório médico, pronto para praticar o aborto, a mensagem já foi transmitida e sublinhada.

    No meio da bagunça visual, existe um argumento pró-aborto que diz respeito à precariedade social: quando os dois adultos não têm condições de criar uma criança, vale a pena tê-la mesmo assim? Em narração realista, de tom documental, a personagem feminina conclui que o aborto é legítimo, e que ninguém deveria ser obrigado a colocar uma criança “neste mundo de merda”. O discurso sobre aborto não é analisado sob diversos aspectos, pois a questão que realmente interessa ao diretor é o retrato da vida na periferia e a sensação de exclusão dos indivíduos desprivilegiados. Os protagonistas sofrem com empregos péssimos, instabilidade financeira, baixa autoestima. Neste contexto, que sentido faria promover, através da filiação, um prolongamento de si mesmo?

    Sem dúvida, existem muitas ideias instigantes em Filme de Aborto. Mas elas ficam perdidas no meio de dezenas de outras ideias menos expressivas. O projeto parece ter sido concebido sem um roteiro específico, e sua versão final mais lembra um primeiro corte, um rascunho longe da forma final. São recursos demais, estilos demais, numa bagunça pop-subversiva que nunca se torna coerente. Existe um filme vibrante inserido neste labirinto, mas a direção não está interessada em apontar o caminho de saída.

    Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.

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