“Guilty pleasure” em versão feminina
por Renato HermsdorffBlockers é um reflexo (ainda que discreto) da evolução do papel feminino na indústria do cinema de Hollywood. E antes que sejamos acusados de "mimimi", explicamos: Trata-se da "liberdade" para que também elas possam fazer filmes "escrotos" (com o perdão do termo chulo, se ele te ofende, pode esquecer do filme já daqui), do tipo "prazer culpado" (o “guilty pleasure”).
Se (ainda) é raro ver mulheres no papel de diretoras, mais ainda o é em longas-metragens de "comédia rasgada" como esse. Produzido por uma dezena de pessoas, entre eles, Seth Rogen, o filme é a estreia na direção de Kay Cannon, mais conhecida como roteirista, de títulos como 30 Rock e A Escolha Perfeita.
O roteiro (escrito por homens) procura (e consegue) focar em um ponto de vista feminino para uma premissa bem promissora. Quando os pais de três adolescentes descobrem que as filhas, amigas desde a infância, firmam um pacto para perder a virgindade na noite de formatura, o trio bola um plano para impedir a "primeira vez" das meninas. Vai dizer que você não deu uma risadinha ao ler essa sinopse?
Os pais são vividos por Leslie Mann, John Cena e Ike Barinholtz. A primeira, experiente atriz do gênero, é o melhor do elenco, arranca graça sem fazer o mínimo esforço. Cena, o grandalhão que contracena com Amy Schumer em Descompensada, tem dotes artísticos limitados, assumindo o papel de uma espécie de "loira burra", cujo contraponto, no entanto, está na sensibilidade que não se espera de um brutamontes desses. Já Barinholtz, a versão cômica de Mark Wahlberg, interpreta o clichê do pai que é rejeitado pela filha, mas finge não ligar.
Em tese, são eles os protagonistas, que pulam de uma situação louca a outra ainda mais insana à procura das garotas. Os diálogos são afiados e garantem um aspecto genuíno à comicidade do filme, que, no entanto, se apoia fortemente em um tipo de humor físico e escatológico - muito escatológico, de quilos de vômitos no banco de uma limusine à ingestão de bebida alcoólica pelo... ânus.
Com carinho (sim), a produção faz troça da dificuldade de se lidar com o ninho vazio, da tendência dos pais de superprotegerem os filhos, em um enredo previsível. Mas, na prática, é a amizade entre as meninas - e só entre elas, que não dependem de nenhum garoto para justificarem sua existência na Terra - o fator que atualiza o gênero, a ponto de se permitirem a pergunta: "Mas por que a ideia de fazer sexo é tão ruim assim?"
O resultado é uma comédia que apela, mas não ofende - ideal para assistir em um vôo. Até no descompromisso elas são melhores do que nós.
Filme visto no festival South by Southwest (SXSW), em março de 2018.