Análise da imagem
por Bruno CarmeloÀ primeira vista, este documentário pode despertar apreensão quanto ao seu formato convencional. Desde a primeira cena, o diretor Zeca Brito ressalta sua ligação pessoal com o pintor Glauco Rodrigues, para descrever em seguida a trajetória do artista desde o início, de modo cronológico e linear, baseando-se em depoimentos e imagens das obras de Glauco. Ou seja, um conceito cinematográfico sem grande novidade.
O filme começa a surpreender quando elabora seus questionamentos: O que leva um homem a querer produzir arte? Como ele fabrica e amadurece seu estilo autoral? De que maneira o meio onde vive (a cidade natal, Bagé, sua condição financeira) influencia suas obras? Qual é a obrigação de produzir uma obra nova, melhor que outras existentes na época, ou mesmo “tipicamente brasileira”? O ponto de vista cativa mais pelo viés teórico do que historiográfico, distinguindo este documentário da média dos filmes do gênero.
As respostas oferecidas são múltiplas. O diretor busca depoimentos de pessoas próximas, de admiradores, teóricos franceses, alunos de belas artes. Cada um fornece uma leitura pessoal e apaixonante do estilo de Glauco, ressaltando a evolução de seus traços e seus temas ao longo das décadas. Aos poucos, o longa-metragem efetua um caminho do particular ao universal, no caso, saindo da história pessoal de Glauco em Bagé para percorrer outras cidades do mundo, perguntando sobre a pertinência dessa obra não apenas para o país, mas para a história das artes plásticas.
Glauco do Brasil não consegue fugir do tom elogioso, incluindo depoimentos um tanto exacerbados sobre o talento do pintor, com citações do tipo “Tudo que ele toca vira beleza”. É óbvio que Brito possui grande apreço pelo biografado, mas o risco de cair na elegia nunca está muito distante. O deslumbramento com as obras e a figura de Glauco é evidenciado pela montagem, o aspecto mais frágil do filme. É uma pena que a obra tão radical e inventiva de Glauco seja agenciada em imagens por uma montagem convencional, que apresenta cidades (Rio de Janeiro, Roma, Paris) como pobres vinhetas turísticas ao som de canções famosas. Um homem e um filme tão interessados no retrato múltiplo da cultura nacional mereciam mais do que uma coletânea de clichês.
Mas os méritos são evidentes, incluindo o belo trabalho de som e fotografia, com iluminação cuidadosa durante os depoimentos. Também é preciso aplaudir o fato de a vida pessoal de Glauco ficar em segundo plano – interessa ao diretor sobretudo seu trabalho artístico. Brito ainda encontra espaço para criticar a herança tropicalista e o monopólio da música neste cenário cultural que raramente confere espaço ao pintor. Por enxergar seu tema como um pesquisador ao invés de um fã, Glauco do Brasil funciona como um belo estudo da trajetória do artista.