Babenco, o filme
por Francisco RussoHector Babenco tem seu nome gravado na história do cinema brasileiro, graças a sucessos do porte de Pixote - A Lei do Mais Fraco, Carandiru e Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia. Mais ainda: o diretor argentino-brasileiro alcançou fama mundial ao ser indicado ao Oscar por O Beijo da Mulher-Aranha. Entretanto, o Babenco em forma há tempos não tem sido visto nas telonas, como se pode perceber em seus últimos trabalhos. Meu Amigo Hindu, o mais recente deles, é também aquele que atesta o péssimo momento cinematográfico vivido pelo cineasta – e, não por acaso, também o que mais tem a ver com sua personalidade.
O início do longa-metragem logo avisa: “o que você vai assistir é uma história que aconteceu comigo e conto da melhor maneira que sei”. O viés autobiográfico está escancarado, autorizando que Willem Dafoe assuma o posto de alter ego do diretor em cena. E ele o faz, criando um personagem egocêntrico e sem papas na língua, com uma certa liberalidade controlada. Se a esposa lhe diz que já o traiu, ele rebate na hora que não há problema algum nisto, por tê-la traído também. Tal característica torna o cineasta Diego uma pessoa bastante difícil, o que se manifesta no modo como trata todos à sua volta, da esposa (Maria Fernanda Cândido) aos amigos próximos e parentes. Há espaço ainda para cutucadas oportunas aos desafetos, por mais que seus nomes jamais sejam explicitados - seria Fernando Meirelles o tal cineasta citado?
Diante deste cenário, é interessante notar o vai-e-vem dos coadjuvantes dentro da trama. Desde os mais constantes, como Reynaldo Gianecchini e a própria Maria Fernanda Cândido, aos mais gratuitos, como Ary Fontoura e Dan Stulbach. Todos são relegados a segundo plano, não apenas pelo personagem principal mas pelo próprio roteiro. É como se os coadjuvantes fossem pinçados a esmo, apenas em momentos que sejam imprescindíveis à história principal mas, ainda assim, sem que tenham a menor chance de ofuscar o brilho do protagonista. O melhor exemplo é o modo como é mal desenvolvido o personagem de Guilherme Weber, de importância crucial no tratamento feito contra o câncer.
Como o brilho tem que caber sempre ao diretor, ou melhor, ao personagem principal, Willem Dafoe é quase onipresente na tela. E até se esforça, passando por um nítido processo de emagrecimento para as cenas da quimioterapia e pós-transplante de medula óssea. Só que, graças à sua presença, todo o elenco – formado em sua maioria por brasileiros – foi obrigado a atuar em inglês. Isto em uma trama situada no país, onde mesmo nomes brasileiríssimos como Sebastiana são pronunciados com o típico sotaque estrangeiro. Mas isto não interessa, o que importa de fato é que o alter ego seja um astro hollywoodiano – o que, mais uma vez, indica o quão importante este protagonista é em relação a todos os demais.
Apesar de tamanha grandiosidade, o maior problema de Meu Amigo Hindu é o roteiro. A começar pelo fato de que o personagem do título apenas surge por volta da metade da trama, servindo como conexão ao lado lúdico do cinema, e nem tem tanta importância assim. Entretanto, o complicador maior é o lado didático e extremamente linear com o qual a história é narrada, com direito a diálogos duros e às vezes bastante artificiais. Do avanço da doença ao tratamento, passando pela cura e a reabilitação à vida normal, tudo segue tintim por tintim o que aconteceu com o diretor, numa espécie de recriação de sua própria vida – é quando a ficção beira o documentário. Diante disto, não chega a surpreender o fato de Bárbara Paz surgir em cena para interpretar a si mesma, com direito a recriar ao lado de Supla o conhecido momento em que descobre ter sido vitoriosa no finado reality show Casa dos Artistas – devidamente traduzido para “Burning House”.
Talvez por dirigir e roteirizar uma história sobre sua própria vida, faltou a Babenco a capacidade de se distanciar do material retratado de forma a limar os vários excessos existentes, como a citação a Carandiru e os diversos finais falsos oferecidos ao público. O resultado é um filme de 124 minutos que, antes mesmo da metade, já é bastante arrastado e cansativo. Mesmo a lúdica (e ousada) cena final, com referência ao clássico Cantando na Chuva, é insuficiente para cativar o espectador. Babenco, o diretor, merecia algo melhor - nem tanto por sua personalidade, mas pelos serviços já prestados ao cinema.
Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.