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    O Diabo Mora Aqui
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Diabo Mora Aqui

    A beleza do terror

    por Bruno Carmelo

    Adolescentes se divertindo num casarão isolado, no meio da natureza. Evocação de espíritos. Vozes do além. Tramas diabólicas. Personagens com segredos sobre seus passados. Sacrifícios, martírios, punições perversas. Portas do armário se abrindo sozinhas. Pessoas presas no porão, velas assustadoras, barulhos lá fora, vultos passando pelas árvores. Todos esses elementos estão presentes no filme de terror O Diabo Mora Aqui, dirigido por Dante Vescio e Rodrigo Gasparini.

    A produção não impressiona pela originalidade. É curioso como estes elementos se tornaram tão importantes para o terror jovem que parecem não permitir nenhum desvio narrativo: é possível fazer um filme de terror em plena luz do dia? Em apartamentos pequenos da cidade? No interior de uma empresa? Sem acessos de loucura nem forças do além? Sem naturalmente associar o desejo sexual à pulsão criminosa? Histórias como esta, e outras recentes no cinema brasileiro (Isolados, O Amuleto, Condado Macabro) parecem sugerir que não.

    Apesar de explorar os chavões do gênero, O Diabo Mora Aqui se distingue dos títulos citados acima pela qualidade de sua produção. Mesmo com baixo orçamento, o filme ostenta belíssima fotografia, enquadramentos precisos e inteligentes, montagem eficaz, uso simples e verossímil de símbolos pela direção de arte. O refinamento estético distancia esta obra de pequenas experiências juvenis pautadas no excesso e na vontade de chocar. Grande parte deste roteiro é destinada a brincar com os nervos e expectativas do público, ao invés de pregar sustos ou chocar com sangue e vísceras.

    A história se esforça para colocar, ao lado dos clichês, alguns fatores especificamente nacionais, como o passado da escravatura, essencial às relações de poder na trama, e uma sugestão de emancipação feminina, com as mulheres controlando as ações num gênero costumeiramente masculino. Aliás, os corpos dos homens são mais expostos pela imagem do que o das mulheres. Do mesmo modo, a complexa trama envolvendo fantasmas de bebês presos no porão é explicada em detalhes pelos personagens, para o espectador não se perder nas idas e vindas no tempo. O dispositivo funciona, tornando a narrativa ágil e agradável – mesmo que o clímax, com a conjunção de três histórias paralelas, torne as motivações um pouco confusas.

    O Diabo Mora Aqui chama atenção igualmente pelo bom trabalho do elenco. Não existem gritos desmesurados ou ações estúpidas dos personagens; ninguém sublinha o horror ou a loucura de modo a tornar as intenções óbvias. O horror nasce de ações plausíveis dentro daquele contexto, ou seja, do confronto de vontades contrárias. Exceto pela presença do perverso Barão do Mel (Ivo Müller), nenhum personagem constitui uma representação do bem ou do mal. Clara Verdier, como Magu, e Pedro Carvalho, no papel de Apolo, apresentam atuações particularmente interessantes.

    Num circuito nacional carente de boas produções de terror, é um prazer encontrar obras como esta. Ainda existe um caminho a trilhar em busca de originalidade e coesão narrativa, mas dentro das regras do gênero, O Diabo Mora Aqui demonstra um domínio estético invejável.

    Filme visto na 19ª Mostra de Tiradentes, em janeiro de 2016.

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