A música acalma as feras
por Bruno CarmeloPelas cenas iniciais, temos a impressão que Tudo que Aprendemos Juntos vai cair nas principais armadilhas do drama social: o paternalismo e a idealização. Através da figura de um músico frustrado (Lázaro Ramos), que passa a dar aulas em uma favela, o diretor Sérgio Machado prepara o terreno para um típico drama lacrimoso sobre o professor inspirador que consegue modificar a vida de seus alunos rebeldes, trazendo um pouco de humanismo e de “civilidade” através da arte.
A apresentação dos cenários e dos personagens está marcada por simplificações um tanto grosseiras da vida nas comunidades. Os homens são alcoólatras e agressivos, as mães são passivas ou ausentes, os garotos jovens investem no tráfico de drogas, enquanto as garotas estão grávidas. É um painel caótico, com muita música e movimento, numa espécie de fetiche da marginalidade. Enquanto isso, a vida de classe média do protagonista Laerte desenvolve-se em lugares vazios, dentro de apartamentos soturnos, no profundo tédio e silêncio.
Os opostos não tardam a se encontrar. Para não transformar o protagonista em um professor Keating, cheio de boa vontade e frases de efeito, o roteiro faz um retrato antipático do violinista, que despreza Heliópolis e seus moradores. Mesmo atenuando os clichês, as transformações esperadas estão presentes: o garoto mais agressivo acalma-se com a música, um deles revela um talento extraordinário para o instrumento, enquanto o professor descobre um afeto verdadeiro por estes jovens em carência de amor paterno.
Tudo que Aprendemos Juntos não é um filme muito sutil, longe disso. No entanto, depois de uma primeira metade fraca, a história engrena com o desenvolvimento político e psicológico da trama. Aos poucos, os conflitos envolvendo os jovens tornam-se palpáveis, e a situação política ganha traços realistas, quando o roteiro sai da escola e ganha as ruas. Este é o momento em que os coadjuvantes passam a ter complexidade, e o professor de violino enfrenta, pela primeira vez, conflitos éticos e morais a respeito de suas escolhas.
O drama é apresentado em embalagem bela e funcional. A fotografia de Marcelo Durst trabalha muito bem as cenas noturnas, ao mesmo tempo em que destaca a luz do dia sem exageros. A montagem também imprime um ritmo eficaz ao conjunto, fazendo a tensão crescer e se resolver nos momentos esperados. O conjunto das atuações é bastante competente, mesmo com algumas falas pouco naturais vindas do inexperiente elenco juvenil.
De modo geral, este é um drama que dialoga mais com os sentimentos do que com a razão. A política e a ideologia funcionam como pano de fundo para o diretor entregar ao público exatamente o que veio buscar neste projeto: uma recompensa emocional com os sofridos personagens. Por isso, a previsibilidade torna-se condição sine qua non para a identificação do público. Cumpre-se o prometido, sem manipular excessivamente as sensações do espectador (uma tragédia, por exemplo, é trabalhada com bastante pudor). Temos uma obra simples, bem feita, mas de ressonância limitada – ou seja, ela satisfaz o apetite durante a sessão, mas não deve deixar marcas profundas algum tempo depois.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.