A finalidade justifica a forma
por Renato HermsdorffDesde 2009 sem lançar um filme (intervalo que aumenta se considerarmos que o longa em questão, Capitalismo - Uma História de Amor, foi direto para o home video no Brasil), o polêmico, satírico, tão amado quanto odiado Michael Moore está de volta.
Com Where To Invade Next, o documentarista de Tiros em Columbine (2002) e Fahrenheit 11 de Setembro (2004) aponta seu deboche para a política dos Estados Unidos, como é praxe na sua filmografia, desta vez focando no (ou na falta de) estado de bem-estar social norte-americano – expressão que, segundo o realizador, não é vista com bons ouvidos entre os políticos de seu país.
Depois do fracasso militar intervencionista dos EUA em territórios como o Iraque e Afeganistão, ele se voluntaria a invadir, ele mesmo, outros países, em uma turnê mundial em busca de exemplos para serem “confiscados” pela sua nação.
Assim, Moore começa sua viagem pela Itália, país que, segundo ele tem uma das maiores expectativas de vida do mundo, e se espanta com os direitos que garantem oito semanas de férias para os trabalhadores, duas horas de almoço, licença-maternidade, e (pasme, Michael) um 13° salário.
O cineasta explica para os italianos que, de acordo com a constituição ianque, os norte-americanos não têm direito a nem sequer um dia de folga semanal. Zero. Nada. Nadinha. (Bom, ele pelo menos informa que, a depender de um bom sindicato, não é bem assim). E recebe, como é de se esperar, uma reação incrédula do casal local que entrevista.
No país europeu, o diretor visita duas fábricas (uma de motocicletas e outra têxtil) para ouvir também o "outro lado", ou seja, o dos patrões, e mostrar ao público que até eles concordam com as "facilidades trabalhistas". O argumento dos empregadores é que um funcionário feliz e livre de estresse adoece menos e é mais produtivo.
A viagem segue pela França, onde mesmo a escola pública menos favorecida pelas verbas governamentais serve uma merenda digna de um chef de cozinha; Finlândia, e sua educação básica de ponta que aboliu o dever de casa; Alemanha, onde as montadoras (no caso, a Volkswagen) ouvem os funcionários antes de tomarem decisões importantes; até Portugal, que descriminalizou o uso de drogas entra para o roteiro; e a Tunísia, que permite às mulheres o direito de decidir se devem ou não interromper uma gravidez. E segue.
Para cada exemplo, ele aponta um anti-exemplo de seu país de origem.
Ele tem razão? Claro que sim. O sistema político-financeiro norte-americano é incongruente e, a partir dos exemplos que Moore caça ao redor do mundo (bem, o mais correto seria dizer Europa), esses problemas ficam claros. E ele implanta no espectador a sensação de que está “do nosso lado”.
O problema do filme – e de Michael Moore, de forma geral – são os meios que o diretor usa para justificar os seus fins. O que é mostrado off-USA, claro, são experiências de sucesso pinçadas a dedo – e a partir de um número escasso de fontes. De perto, nem tudo é (nem pode ser) tão cor de rosa como o cineasta pinta. Populista que só, Moore manipula o espectador para embarcar em seus argumentos, seja pelo uso da ironia, seja pela trilha sonora.
Os gráficos que o cineasta usa para argumentar que a carga tributária norte-americana é maior do que a francesa, por exemplo, nem sequer contém dados. Portanto, trata-se de uma análise tão rasa quanto o é a maneira como os compatriotas de Moore lidam com a informação. Ou seja, ele cai no mesmo reducionismo que critica. É um filme para americano ver – e aprender.
Porém (ah, porém...), se a experiência for encarada com um mínimo de senso crítico, Where to Invade Next é o tipo de filme que convida à reflexão – e o melhor: de forma divertida. Porque, no fim, Michael Moore tem razão.
Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.