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    O Shaolin do Sertão
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Shaolin do Sertão

    A ‘fuleiragem’ ficou séria (e ainda mais divertida)

    por Renato Hermsdorff

    Em 2013, Halder Gomes cativou a audiência nacional com uma história de forte tom regionalista falada em “cearês” que, ao custo de um R$ 1 milhão, levou cerca de 500 mil pessoas ao cinema – reza a lenda que, no estado nordestino, Cine Holliúdy atraiu mais gente do que Titanic aos cinemas. É inegável o mérito da produção por apresentar um universo para lá de original (bom, pelo menos, para o lado de “baixo” do Brasil), que foi recebida como uma espécie de Cinema Paradiso tupiniquim, protagonizada por um tipo neo-Mazzaropi.

    Descontadas as (merecidas) paixões que o filme despertou, no entanto, verdade seja dita: tecnicamente, o hilário Cine Holliúdy é um tanto... capenguinha (assim, no carinho do diminutivo), fruto de um roteiro cheio de ponta solta, uma fotografia um tanto pobrinha, de uma montagem fragmentada que nem sempre faz sentido. Três anos – e quatro vezes mais caro (incluindo aí a previsão de gastos com marketing e distribuição) – depois, o cearense volta aos cinemas com O Shaolin do Sertão.

    Passado na Quixadá dos anos 1980, a nova obra acompanha a rotina de Aluísio Li (Edmilson Filho, de novo), o padeiro apaixonado por filmes de artes marciais – e por Anésia Shirley (Bruna Hamú), a filha do patrão (Dedé Santana), prometida ao almofadinha do sertão Armadinho (Marcos Veras). Obcecado por kung fu, o filho de Dona Zefa (Fafy Siqueira) vê a grande chance de mudar de vida quando o prefeito da cidade (Frank Menezes), com objetivos eleitoreiros, recruta um valentão para combater o temido Tony Tora Pleura (Fábio Goulart) e defender a honra do município cearense. Ele, então, contrata “Chinês” (o cantor Marcondes Falcão Maia) como treinador. 

    O Shaolin do Sertão é, por assim dizer, uma espécie de Cine Holliúdy Reloaded – melhor seria “aditivado” (o que justifica a longa introdução acima). Se não, vejamos: a) o “cearês” continua fortemente presente (sem legendas dessa vez); b) o cinema ainda é o pano de fundo, principalmente o subgênero das artes marciais; c) é um filme de época que se passa no interior do Ceará; d) focado na relação do protagonista com uma criança, Piolho (o jovem ator Igor Jansen, um verdadeiro achado); sem contar a repetição da dobradinha Halder/ Edimilson (também “enfuleiradores de roteiro”, como se apresentam).

    Apesar da perda do "frescor", depois de cerca de 1h40 de projeção, não seria justo acusá-los de repetitivos – ou auto plagiadores. Isso porque a dupla (ainda) consegue revisitar o universo com originalidade – o “cearês” é complexo – e, sobretudo, porque eles agora recebem um upgrade nas condições de produção (sinal disso é a longa sequência de abertura, que simula bem o visual estético das fitas de VHS, populares na época – e que apresenta um sem número de nomes envolvidos na realização da obra).

    Se mal dá para notar o clima dos anos 70 de Holliúdy, no Sertão não há dúvidas de que estamos uma década adiante no tempo (destaque para o cenário do quarto do herói). A edição é muito mais coesa; a fotografia mais agradável. O roteiro é que ainda tropeça. O texto abandona algumas subtramas inseridas com ar de importância (Aluísio, por exemplo, tem como objetivo assistir a uma determinada fita de videocassete que... ah, deixa pra lá); e o enredo político é desperdiçado, anunciado pelo filme como uma forma de dar aquela cutucada no coronelismo, mas mal resolvido.

    Por outro lado, a trama também é o grande golpe do novo longa. Com conhecimento de causa, o cineasta reposiciona com criatividade os elementos dos filmes de kung fu no árido cenário nacional. E, ao fazer troça de suas próprias opções, cumpre bem a função da sátira. O exemplo mais claro desse elemento está na passagem em que o “Chinês” treina o protagonista, com cenas hilárias que evocam também Rocky, um Lutador e Karatê Kid - é o "gafanhoto" abrindo espaço para o "socó" (tipo de ave comum na região). Ao deslocar situações e cenários para subverter o imaginário do espectador, a narrativa se mostra mais... elegante, até.

    Resulta que há muito mais ironia entre Pacatuba e Quixadá do que supõe a vã filosofia do povo da capital. Se com Cine Holliúdy, o que Halder e cia. fizeram foi um filme cearense que ganhou o Brasil; aqui, se trata de um filme brasileiro que exporta o Ceará. O que, trocando em miúdos, significa dizer que O Shaolin do Sertão é um verdadeiro papôco de pai d´égua.

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