Qual experiência?
por Bruno CarmeloDiversos filmes da 19ª Mostra de Tiradentes têm sido descritos como “experimentais”, termo genérico que costuma abarcar qualquer obra um pouco fora da linearidade narrativa. Mas qual experimentação estas obras propõem? A questão vem à mente com a exibição de O Espelho, primeiro longa-metragem do cineasta e montador Rodrigo Lima. A trama, adaptada de Machado de Assis, mostra o encontro de um homem com a figura fantasmática de uma mulher, surgida do lago ao redor de sua casa.
Os diálogos raros e antinaturais, o ritmo lânguido e a ausência de conflitos conduzem automaticamente à noção de filme “experimental”, ou pelo menos contrário às regras comerciais. Mas o fato é que, na primeira metade da projeção, não se encontram experiências com a imagem ou o som. Os enquadramentos são comuns, assim como o uso da luz, dos sons ambientes. A única ousadia ocorre na narrativa, através da dilatação do tempo, a proposta dos silêncios e do tempo dilatado como ilustração da intimidade e psicologia dos personagens.
Por volta da metade da narrativa, a experimentação audiovisual propriamente dita toma conta do projeto. As imagens transformam-se por completo: Lima passa a brincar com sobreposições, reflexos, desfoques, sons dissonantes, texturas de projeções. Talvez esta não seja a experiência mais inovadora do mundo – a videoarte já explorou do modo mais radical a questão do duplo imagético – mas a simplicidade do procedimento condiz com a temática das “duas metades de si próprio”, essenciais à trama. É o momento em que O Espelho encontra sua beleza e seu fôlego.
A escolha dos atores desperta questionamentos. Ana Abbott, como a mulher misteriosa, possui um olhar e voz expressivos, penetrantes, no limite da agressividade. Já Augusto Madeira, com sua narração doce e gestos pouco incisivos, parece presa fácil à figura feminina dominante. Mas a sedução e a dominação nos relacionamentos não parecem constituir o elemento central do projeto, que solicita a expressividade do ator principal como se buscasse em seu olhar a mesma força de Abbott.
Pode-se dizer que O Espelho constitui uma experiência interessante, mas uma experimentação acanhada. Suas mudanças de registro e de intenções parecem menos propositais do que incoerentes, no entanto, este caminho tortuoso serve a despertar questionamentos no espectador, retirá-lo da indiferença, o que constitui um mérito por si próprio.
Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.