Amor ao próximo
por Bruno CarmeloEste drama se abre com uma cena de estupro. Não apenas estupro, mas o abuso sexual de um homem adulto com um pré-adolescente. A cena é longa, o enquadramento se concentra no contraste entre olhar angustiado do garoto e o olhar desejante do adulto. Este é um início duro, que mergulha o espectador imediatamente no tema do filme, no caso, as relações de poder, a pedofilia e o abuso sexual.
Para construir o relacionamento entre os dois únicos personagens, o diretor Bernardo Cancella Nabuco usa essencialmente planos fixos, fechados, de longa duração, reproduzindo a claustrofobia do protagonista. No quarto sem janelas e com poucos móveis, Fernando (o ótimo estreante Nicolas Sambraz) estuda sozinho e faz sua higiene, enquanto aguarda as visitas de Josias (Gerson Delliano) com um misto de prazer e medo: por um lado, este constitui seu único contato humano, sua fonte de proteção e alimentação, por outro lado, o adulto representa a origem da opressão e dos regulares abusos sexuais.
Urutau aborda muito bem a ambiguidade dos sentimentos. Josias projeta no garoto a culpa por seus atos (“Por que você me deixa assim?”, pergunta, excitado), enquanto Fernando se recusa a demonstrar afeto. A narrativa, tão austera quanto a estética, deixa o espectador construir a sua própria história, imaginando o passado dos personagens, as possíveis tentativas anteriores de fuga, os medos e angústias.
Ao contrário do sensacionalismo de alguns filmes sobre rapto e pedofilia, que acompanham o momento do sequestro de modo a buscar a identificação do público e transformar a vítima em herói, Urutau se constrói na longa ressaca deste ato. É assustador que um relacionamento como este possa se tornar pacífico, estável, com evidente afeto de ambos os lados. O drama tem plena consciência da violência que constitui o silêncio diante de tal situação, mas sabe tomar distanciamento, observando ambos os homens com respeito e compaixão.
O filme deve dividir opiniões, tanto pelo fato de não condenar o pedófilo quanto por fazer uso de uma estética tão rebuscada que poderia se sobrepor à questão humana. Alguns problemas de continuidade também incomodam, embora não prejudiquem o impacto da narração. É difícil tirar os olhos dos pequenos movimentos, dos raros sons que perturbam aquele ambiente e que se transformam, por contraste, em fonte de tensão.
Na verdade, talvez o maior ato de rebeldia do projeto seja não o retrato da pedofilia, nem a escolha dos planos fixos, e sim a demonstração de afeto a pessoas condenáveis. O amor de Josias por Fernando, de Fernando por Josias, e o amor do filme pelos dois constituem uma tolerância inaceitável à moral cristã. Esta é sua força e o fruto da importante reflexão que suscita.
Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.