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    A Morte de J.P. Cuenca
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    A Morte de J.P. Cuenca

    Tributo a mim mesmo

    por Bruno Carmelo

    Nos anos 1920 e 1930, Charles Chaplin escrevia, produzia, dirigia, editava, compunha a trilha e atuava em seus próprios filmes. Ele foi um dos primeiros diretores reconhecidos como autor, por ter controle absoluto da obra e imprimir um estilo pessoal ao resultado. Desde as primeiras produções cinematográficas, a noção de cinema de autor está ligada à personalização do diretor: mesmo dentro de um grande sistema como Hollywood, um cineasta pode ser considerado autor se imprimir um traço pessoal visto como transmissão direta de sua personalidade. Em outras palavras, o cinema de autor é aquele em que a criatura funciona como reflexo do criador. O artista é a obra.

    A Morte de J.P. Cuenca é um filme de autor no sentido estrito do termo. João Paulo Cuenca escreve, produz, dirige e atua em seu próprio filme, mantendo um traço direto de sua personalidade na obra. Mas à diferença de tantos outros autores – Chaplin, Woody Allen, ou Glauber Rocha e Júlio Bressane, para pegar exemplos brasileiros – ele não discorre sobre o mundo, a política, a crise na sociedade. João Paulo Cuenca deseja falar sobre João Paulo Cuenca. Este projeto se insere numa nova onda da produção autoral, feita com poucos recursos, por jovens cineastas que criam versões idealizadas de si próprios, não muito diferentes dos perfis de redes sociais. A Bruta Flor do Querer, Nova Dubai e A Morte de J.P. Cuenca trazem os diretores como criador e criatura, e principalmente, como tema do discurso.

    No caso, o cineasta e escritor explora uma premissa verídica: por um erro administrativo, ele foi dado como morto. Alguém apresentou um cadáver usando os documentos do jovem artista, fazendo com que ele fosse declarado, para efeitos legais, como uma pessoa falecida. A questão é fascinante por sua ironia – o homem é obrigado a provar que continua vivo – e também pelo potencial narrativo. João Paulo Cuenca acena para discussões potencialmente interessantes sobre o medo da morte, a consagração póstuma de autores e os absurdos decorrentes da burocracia. A sensação de caos urbano também se apresenta como um horizonte possível. Mas todos esses caminhos são abandonados.

    A Morte de J.P. Cuenca sofre com a indecisão narrativa e estética. O roteiro não sabe como encaminhar seu conflito inicial: ora se foca na perseguição de uma mulher, ora na crônica da profissão de detetive, ou ainda no retrato da transformação urbana como sintoma de uma cidade sem alma. Nenhum desses elementos ganha um mínimo aprofundamento, até porque as imagens são diluídas tanto pela captação de baixa qualidade quanto pela fotografia dessaturada (era intencional trabalhar com essa correção de cor?). A estética transita entre o realismo e a caricatura, entre o naturalismo e o absurdo. Elementos concretos como prédios e caixões aparecem e somem sem deixar marcas na narrativa.

    O conflito principal, sem surpresas, diz respeito à representação de si face à morte e ao sexo. Se a imagem do sexo possui um impacto muito maior do que o ato real, o retrato de si próprio enquanto faz sexo é visto como uma transgressão central para esta geração de cineastas. João Paulo Cuenca retrata a sua própria morte, inclui homens e mulheres acessórios, que entram em cena apenas para beijá-lo, e fecha a câmera num close do próprio autor-diretor praticando sexo oral numa bela mulher. A obra decepciona acima de tudo pelo fetichismo da miséria, quando seu personagem burguês, que degusta drinks com os amigos e compra imóveis sem pensar duas vezes, simula o romance entre dois miseráveis dentro de um apartamento e faz sua atriz principal desfilar nua por um beco escuro.

    Estas imagens-fetiche não pretendem seduzir pela beleza publicitária, e sim pela ausência assumida da beleza padrão. As imagens são feias; a equipe sabe disso e ostenta a escolha como uma espécie de desprendimento em relação às normas da indústria. A “miséria cool” se intensifica no terço final da trama, quando se abandona sem explicações a busca inicial para se dedicar à idealização de J.P. Cuenca. O cineasta coloca-se acima da linguagem cinematográfica, expondo-se num retrato que, se inicialmente não parece favorecer o artista, acaba por inseri-lo numa versão gourmet do cinema marginal.

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