A imagem histriônica
por Bruno CarmeloJonas começa bem. O drama apresenta seus personagens e a paisagem de São Paulo, especialmente as ruas populares da Vila Madalena. A câmera tremida e a montagem ágil revelam a vida do adolescente Jonas (Jesuíta Barbosa), morador de uma comunidade pobre, e figura paterna para o pequeno irmão Jander, na ausência do pai alcoólatra. Talvez o retrato do alcoolismo seja um pouco estereotipado, mas reforça o afeto dos dois garotos e a responsabilidade que repousa sobre os ombros do protagonista.
Até a chegada de Branca (Laura Neiva), garota rica, filha dos patrões da mãe de Jonas. O contato entre eles revela um amor impossível, tanto pela diferença de classes quanto pela incompatibilidade de temperamentos: ele é tímido e pacífico, ela é atirada e sedutora. Enciumado pelo contato de Branca com outros homens, Jonas comete um crime, sequestra a garota – embora a cena do sequestro, fundamental, seja ocultada da imagem – e a esconde dentro de uma gigantesca baleia alegórica, destinada ao uso no Carnaval paulista. A narrativa bíblica de Jonas, comissionado por Deus para pôr fim à violência dos assírios, perde o teor moral: agora o personagem não é mais um homem arrependido, e sim um criminoso sem culpa por seus atos.
A partir deste momento, os tiques estilísticos se intensificam. A câmera agita-se nervosa, a montagem torna-se mais rápida, a imagem busca tons coloridos, enquadramentos improváveis, profundidades de campo limitadas, flares, efeitos com lentes teleobjetivas, movimentos de gruas. Jonas ostenta um estilo pop, costumeiramente associado no cinema brasileiro à juventude e à criminalidade (vide Cidade de Deus, 2 Coelhos, Entrando Numa Roubada). A estética está condicionada a uma configuração contemporânea do acúmulo de sensações, de estímulos, de “belezas”. Como os fotógrafos de Instagram, que sobrepõem filtros e efeitos para chegar a uma “aparência profissional”, Jonas busca valorizar sua grande produção através de maneirismos.
Este ideal de beleza gera problemas semelhantes no roteiro. A narrativa deseja abordar a Síndrome de Estocolmo – uma vez presa, Branca apaixona-se por Jonas – mas força a mão nos argumentos inverossímeis. Desde o começo, a garota fica várias vezes presa apenas pela mão, podendo fugir com facilidade. Ela não grita, não luta, não tenta manipular o sequestrador a seu favor. Branca é uma personagem passiva, objetificada. Todas as suas cenas têm relação com algum admirador (Criolo e Chay Suede completam o time), enquanto a garota apenas seduz a todos, sem exceção.
A protagonista mulher é vista como objeto de desejo, disposta a agradar o olhar masculino – a exemplo da péssima cena de banho dentro da baleia, em câmera lenta, quando ela seduz Jonas com os movimentos típicos de uma propaganda de sabonete. Sua nudez é explorada de modo fetichista pela imagem, algo ainda mais lamentável pelo fato de Jonas ser dirigido por uma mulher, Lô Politi. Já os homens são vítimas que não resistem aos encantos de Branca, sendo obrigados a tomar medidas extremas – no caso, o sequestro. Jonas insiste que não tem culpa, que foi sem querer, enquanto o roteiro parece perdoá-lo por seus atos, por ter “raptado por amor”. O machismo desta relação é perturbador.
O incômodo entre a sedução das imagens e a sedução dos personagens explode na cena final. Talvez a narrativa inteira tenha sido construída para chegar a este momento supostamente épico, quando efeitos especiais de baixa qualidade combinam um incêndio e uma chuva redentora. O talentoso Jesuíta Barbosa é condenado a protagonizar uma cena constrangedora, perdido na bagunça dos efeitos digitais. Jonas faz um esforço tão grande para agradar, para encher os olhos e provocar comoção que acaba se tornando impertinente, assim como os convidados que exageram nos gestos para chamar a atenção em uma festa. De nada adianta ter um pano de fundo social e um elenco talentoso se eles estiverem soterrados pela avalanche de tiques e truques.
Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.