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    É Apenas o Fim do Mundo
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    É Apenas o Fim do Mundo

    Barraco francês

    por Francisco Russo

    Chega a ser difícil acreditar que, aos 27 anos, Xavier Dolan já tenha no currículo seis longa-metragens, todos exibidos em grandes festivais e, em alguns deles, premiado. Este menino prodígio canadense ainda consegue dividir sua atenção com as tarefas de ator, produtor, editor e figurinista, fora o trabalho de selecionar as canções da trilha sonora. É claro que tamanha precocidade também resulta em falhas, decorrentes não apenas de sua pouca idade mas também de uma visão de mundo bastante particular e próxima das gerações mais novas, que cresceram com a internet. Entretanto, fato é que, desde Mommy, Dolan tem demonstrado maturidade como cineasta. Se ainda investe firme em personagens por vezes histéricos, envolvendo enormes problemas familiares que refletem ecos de si mesmo, chama a atenção a forma como conceitua e implementa questões narrativas bastante interessantes. É o que, mais uma vez, acontece em Juste La Fin Du Monde.

    Baseado na peça teatral homônima escrita por Jean-Luc Lagarce, o longa-metragem nada mais é do que um imenso barraco em uma família francesa que tem início quando um homem de 34 anos, o escritor Louis (Gaspard Ulliel, correto), decide visitar a família para comunicar que está prestes a morrer. Detalhe: ele não vai visitá-los há 12 anos, ou seja, há um mundo de mágoas enclausuradas não apenas nele, mas nos demais familiares.

    Para Dolan, seria muito fácil fazer o típico teatro filmado: reúne os atores em um mesmo cenário, permite que eles interajam entre si e pronto, é só deixar a força do texto falar mais alto. Algo parecido com Deus da Carnificina, dirigido por Roman Polanski, apenas para servir como exemplo de uma boa adaptação do teatro para o cinema que não exige muito de seu diretor. Só que Dolan ousa ao criar uma narrativa própria, filmando individualmente cada personagem em closes bastante fechados. É como se apenas ele existisse na tela, ao mesmo tempo em que possui a consciência de que não está só. Para não prejudicar a dinâmica do próprio texto, é adotada uma edição ágil em que cada close é substituído rapidamente, de forma que o espectador tenha a percepção de convívio em um mesmo ambiente e, mais ainda, das reações de certos personagens em decorrência dos comentários feitos. É como se a câmera estivesse em todos, por mais que no fundo foque uma única pessoa.

    Algo do tipo dá trabalho, não apenas conceitualmente mas na própria filmagem, pela necessidade de gravar a mesma cena diversas vezes de forma que a câmera, a cada instante, possa capturar uma reação distinta. É justamente nesta dinâmica apresentada, fugindo do óbvio, que Juste la Fin du Monde brilha. Até porque o texto em si é apenas correto, explorando ecos do passado para ressaltar esta imensa briga em família onde há desafetos e alianças escancaradas. Também por isso, não há muito espaço para que qualquer dos atores se destaque. Seus personagens são tão unidimensionais, destinados a cumprir um perfil pré-estabelecido, que resta pouco a ser criado. Vincent Cassel cumpre bem o papel do personagem briguento, Marion Cotillard transmite insegurança através do olhar, Léa Seydoux surge sob pesada maquiagem, mas é só. Pouco para o que atores deste quilate podem produzir.

    Outro ponto a destacar em Juste la Fin du Monde é sua trilha sonora, mais uma vez repleta de sucessos pop - marca registrada da carreira de Dolan. A curiosidade é a presença da romena "Dragonstea Din Tei", versão original da brasileira "Festa no Apê", de Latino, em meio a canções de blink 182, Moby e Camille. Nem sempre a música escolhida flui naturalmente dentro do filme, por vezes soando um tanto quanto histérica - a abertura é um destes casos -, mas esta é também uma característica do cinema feito pelo diretor. Dolan, nem sempre, consegue tornar o lado histriônico de personagens e situações como algo positivo para o filme como um todo.

    Por mais que seu texto não traga algo propriamente novo, sendo basicamente a repetição de discussões do tipo já vistas em outros filmes/peças, Juste la Fin du Monde apresenta um raro frescor na forma como foi conceituado, entregando uma dinâmica bastante interessante para um formato tão batido. É também mais uma demonstração do amadurecimento de Dolan que, se ainda se repete em temas familiares, consegue ir além ao oferecer ao espectador algo diferente do habitual. Bom filme.

    Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.

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