O horror da guerra
por Francisco RussoA Segunda Guerra Mundial já foi vista sob as mais variadas óticas no cinema: dos vencedores, dos vencidos, patriota, política, histórica e, também, dolorosa. Esta é a característica mais marcante de Filho de Saul, filme húngaro dirigido pelo estreante em longas László Nemes, que foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes 2015.
A história é até bem simples: um judeu trabalha em pleno campo de concentração como sonderkommando, ou seja, integra o grupo de judeus designados pelos alemães, e separados dos demais, para carregar os corpos dos prisioneiros e ainda cremá-los, após passarem pelas câmaras de gás. Um dia, ao realizar o árduo trabalho diário, descobre que um garoto sobreviveu... por pouco tempo, já que logo em seguida ele é executado por um oficial alemão. O corpo largado logo é requisitado por Saul, mas o jovem foi enviado para a autópsia. Começa então uma jornada pessoal para recuperar o cadáver e, com a dignidade possível na situação, enterrá-lo.
A grande sacada do longa-metragem é a proposta estética aplicada com rigor pelo diretor, onde a câmera está ora grudada no rosto de Saul, ora representando o que ele vê naquele momento. Ou seja, os horrores da guerra são apresentados sob o olhar de quem a vivencia, dia após dia, o que é ainda impulsionado pelo formato de tela reduzido, de 1: 37, que amplia a sensação de aprisionamento naquela realidade. O semblante sempre empedernido é algo necessário e inevitável para suportar a tragédia diária e o fato de, apesar de obrigado, participar de alguma forma da matança generalizada.
Diante de tal proposta, Filho de Saul oferece um considerável desafio a Géza Röhrig, intérprete do personagem principal, já que ele está praticamente em todas as cenas. A tensão do local é transmitida muito pelo que acontece à sua volta e o próprio desespero transmitido, contido em sua ausência de liberdade, quando precisa encontrar algum meio de recolher o corpo do garoto e enterrá-lo. O filme, curiosamente, traz um certo spoiler já em seu título – “Son of Saul” em inglês, “Filho de Saul” na tradução literal -, mas no decorrer da própria história há um certo questionamento sobre o parentesco entre os dois. Seria ele realmente seu pai ou a imagem da criança morta despertou um desejo incontrolável de, ao menos ali, recuperar um pouco a dignidade há muito perdida pelos judeus em geral? Seria esta também uma reação à opressão suportada no campo de concentração, uma espécie de “basta!” íntimo?
O modo como cada um reage diante dos horrores da guerra é um tema espinhoso que já rendeu alguns bons filmes, como o americano Nascido Para Matar, o russo Na Neblina e o japonês Nobi (ainda inédito no Brasil). Bastante tenso em certos momentos, Filho de Saul é o retrato de uma época triste para a humanidade apresentado em primeira pessoa sob uma forma rígida. Por mais que o filme até perca um pouco o ritmo de vez em quando, devido à sua (intencional) proposta monocórdia, ainda assim traz elementos bastante interessantes que o destacam neste imenso hall existente envolvendo os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial.
Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.