Funeral de descobertas
por Bruno Carmelo“Este foi o primeiro filme chileno sobre transexualidade financiado com dinheiro do governo. E Daniela Vega foi a primeira atriz transexual premiada em um festival fora do país”. Assim o jovem diretor Mauricio López Fernández apresentou seu longa-metragem no Festival Mix Brasil, ressaltando o ineditismo da obra. De fato, é essencial que atrizes transexuais sejam convidadas a papéis trans no cinema, e é louvável que o Estado financie obras que discutam a identidade de gênero e a orientação sexual.
Diante de tamanho pioneirismo político, A Visita revela-se uma obra recatada. A história gira em torno de Elena (Daniela Vega), que retorna à casa de sua mãe, uma empregada doméstica, quando descobre a morte do pai militar. Mas a família conhecia a jovem como Felipe, e logo devem lidar com esta presença incômoda. O roteiro estabelece uma ciranda entre patrões, filhos de patrões, crianças e vizinhos que frequentam este lar fúnebre onde o enterro parece nunca começar.
Daniela Vega interpreta a protagonista transexual com um pudor excessivo, sem apresentar transformações ao longo da trama. Esta parece ter sido a maneira com que o cineasta conduziu todo o seu elenco, que se limita aos olhares suspeitos pelos cantos da casa. A câmera quase nunca abandona o lar, nem explica as estranhas relações envolvendo o pai ausente, os cachorros ao redor, a avó que emite gritos no andar de cinema, a posição autoritária da mãe. Todas as portas estão entreabertas, e sempre existe uma pessoa testemunhando algo pelo vão aberto. Este é um cinema voyeurista, mas com medo de passar ao ato.
Apesar da bela fotografia e dos enquadramentos funcionais, o grande problema de A Visita encontra-se no roteiro. Fernández faz questão de deixar informações suspensas, o que pode ser apreciável, mas depois inclui reviravoltas absurdas, que aproximam a história do realismo fantástico. Armas carregadas à disposição de crianças, manifestações súbitas de desejo sexual relacionado a Elena e uma briga com a mãe ocorrem de maneira abrupta, e francamente mal filmada (é muito difícil acreditar nos ferimentos da mãe de Elena). O diretor possui tato para momentos de contemplação, mas perde-se quando a cena exige dinamismo nas ações.
O drama se fecha de modo otimista, acreditando na transformação das mentes conservadoras. É uma bela mensagem, que talvez gerasse mais efeito emocional se fosse emitida por personagens profundos, com passados definidos e vontades bem trabalhadas. Com sua overdose de símbolos desconexos, A Visita falha na tentativa de complexificar as relações humanas e transmitir a dor de uma família em luto.
Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.