O sonho estrangeiro
por Bruno CarmeloUm homem ao telefone. Ele fala em inglês, mas tem sotaque brasileiro. A conversa gira em torno de um divórcio e da divisão de bens. Fala-se sobre Londres, sobre o Brasil. Ele discute valores, fica irritado, corta a ligação e sai. De certa maneira, esta cena inicial representa muito bem a estrutura do documentário, que estuda as relações afetivas e culturais de brasileiros morando no exterior. Eles estão divididos entre as raízes e o novo país, entre o pertencimento e o distanciamento. A comunicação com as pessoas ao redor é voluntariamente truncada, e muitos elementos são apenas sugeridos pela imagem.
Este é o primeiro ponto positivo de Caminho de Volta. Os diretores José Joffily e Pedro Rossi acreditam na capacidade do espectador em deduzir informações e compreender relações por si próprio (não se explica como um personagem perdeu a perna, ou como o casamento do outro fracassou). Nada de letreiros com nomes de pessoas, cidades. Nada de narradores estabelecendo uma cronologia, ou de depoimentos diretamente à câmera. A abordagem dos diretores é direta: observa-se com atenção, interferindo pouco no ambiente. Quando os personagens modificam seu comportamento em função da presença da câmera, isso é aceito como fruto do acaso, e incorporado de modo crítico à narrativa.
A descrição dos dois personagens centrais é respeitosa, mas nunca condescendente. O fotógrafo André teve muito sucesso em sua carreira durante mais de duas décadas em Londres, mas hoje enfrenta a crise econômica e a falta de perspectivas na Europa. Maria do Socorro, mulher idosa, muda-se para Nova York para viver com o filho solteiro, que já tem mais de 50 anos, e ainda é tratado de modo infantil. Depois de 24 anos no país, ela ainda não fala inglês, e mesmo o filho enfrenta dificuldades com a língua. Movido por um perpétuo American Dream, ele trabalha como porteiro em um edifício residencial, enquanto batalha para conquistar a cidadania americana. Depois de tanto tempo, André e Maria pensam em voltar a um país com o qual talvez não se identifiquem mais.
A decepção com o sonho estrangeiro é vista com uma mistura de afetividade e amargura. A montagem oferece ao espectador citações mais ou menos diretas à sensação de crise (pessoal ou financeira), sem transformar a obra em panfleto político. De fato, Caminho de Volta aposta na combinação entre beleza plástica e rigor analítico, ou seja, entre a poesia e a sociologia. Acessível e complexo, ele surpreende pelos enquadramentos precisos, pela justa duração dos planos, pela montagem inteligente, que estabelece relações microscópicas e fluidas entre as histórias. A fotografia é espetacular, como raramente se vê em um documentário tão aberto ao acaso.
Algumas cenas carregam tamanho significado que parecem boas demais para serem reais. São aqueles momentos raros de cinema, no qual o enquadramento ideal, a luz mais expressiva e as ações mais complexas dos personagens se encontram para gerar um efeito – por falta de outra palavra – mágico. A discussão entre André e sua esposa, em enquadramento fixo, consegue ser ao mesmo tempo comovente e deslumbrante do ponto de vista formal. Maria do Socorro ouvindo “New York, New York” com o filho, enquanto pergunta “o que o cantor está dizendo” na letra, é outra pérola. O avião passando ao céu, cruzando os terços ideais do enquadramento, no momento preciso da cena (a união do pai com seu filho pequeno), gera um efeito impressionante. Esta é, acima de tudo, uma obra única, um corpo vivo e orgânico onde todos os elementos são dosados com maestria.
Filme visto no 20º festival É Tudo Verdade, em abril de 2015.