Mais conteúdo, para além da forma
por Renato HermsdorffDesde Direito de Amar, Tom Ford está mais maduro. Não só porque lá se vão sete anos desde que o estilista estreou na direção, mas porque ele agora põe o pé no freio nos maneirismos estilísticos, e dá conta de contar uma história sem a falsa pretensão intelectual do seu longa anterior, com este Animais Noturnos.
Como um profissional da moda, não é que ele tenha desistido de caprichar na composição estética da imagem. A abertura, sobretudo, do novo filme impressiona pelo deleite visual, que traz mulheres nuas e gordas dançando para a câmera como cheerleaders. Seria só um (mais um) exibicionismo, não houvesse contexto. Mas as senhoras estão ali para introduzir a personagem de Amy Adams, uma comerciante de arte.
São muitas as camadas da obra, que explora a intersecção de três histórias. Baseado (mais uma vez) em um romance contemporâneo – dessa vez, “Tony and Susan”, de Austin Wright – Nocturnal relata um momento específico da vida de Susan (Adams). Rica, infeliz no casamento com Walker (Armie Hammer), que a trata com indiferença, um belo dia, do nada, ela recebe a primeira prova de um livro, escrito pelo ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal).
Intitulada “Nocturnal Animals”, a novela narra a história de um homem comum (interpretado também por Gyllenhaal) que, numa viagem de férias com a mulher e a filha, é interceptado por uma gangue de bullies (liderados por Ray, personagem de Aaron Taylor-Johnson) – um episódio que não resulta em um final feliz. O livro é dedicado a Susan que, enquanto o lê, repassa, em retrospecto, a vida com o ex-parceiro (a terceira linha narrativa das tramas paralelas).
Para ser honesto, a história dentro da história é o que de mais envolvente o filme traz. Um thriller psicológico construído com um convincente clima de tensão. Para completar, o segmento ainda conta com uma boa performance de Taylor-Johnson e um excelente trabalho de Michael Shannon. Magro que só, o General Zod de O Homem de Aço vive um policial doente, responsável pela investigação do caso. Sem perspectiva de viver muito, a ele cabem as falas mais diretas e contundentes, que caem bem na embocadura de Shannon.
Enquanto Jake tem uma performance de Oscar (dá para tirar pelo menos uns três clipes dali, para os organizadores usarem na cerimônia), Amy Adams brilha, mas com menos espaço do que seria de se supor para a protagonista.
Se há uma clara melhora no trabalho de Ford como diretor (preste atenção no preciosismo das transições entre as cenas), como roteirista ele ainda precisa melhor os diálogos. Muitos, principalmente no início do filme, que se prestam a introduzir a situação de abandono matrimonial da protagonista, são duros demais, quase risíveis – (falta de) qualidade do texto que é compensada pelo discurso conservador da mãe de Susan, numa marcante – e hilária – participação de Laura Linney. Há mais humor - e menos choro - no cinema de Tom Ford, agora com mais sustância.
Filme visto no 41º Toronto International Film Festival, em setembro de 2016.