Mãe coragem
por Bruno CarmeloDesde as primeiras cenas, Sofía (Amparo Noguera) é definida por sua relação com as crianças: ela é professora de uma escola primária, e está na fila de espera para adotar um filho. Logo após receber uma resposta negativa quanto ao processo de adoção, descobre que um bebê foi encontrado morto em um lixão. Dali em diante, começa uma cruzada obsessiva para obter os direitos de enterrá-lo.
Aurora (nome dado ao cadáver da recém-nascida) é um filme bastante curioso. Por um lado, o diretor Rodrigo Sepúlveda faz questão de fugir ao sentimentalismo, compondo um retrato frio, determinista, sem lágrimas. Fala-se em termos legais (sobre os procedimentos legais que dificultam o sepultamento) e jargões médicos (para determinar se a criança respirou ou não, se ela viveu ou não). Estamos próximos do suspense de investigação, marcado pela fotografia pouco saturada e pelos enquadramentos clássicos, com personagens devidamente posicionados nos terços da imagem.
A intenção de neutralidade é nobre, mas a ausência de psicologia torna Sofía um mistério. Por que se interessar por este bebê em especial? Nada indicava uma tendência obsessiva, capaz de fazer a protagonista colocar em risco sua carreira profissional e seu casamento. Suas justificativas são vagas: ela afirma que esta é “a coisa certa a fazer”, mas o espectador nunca percebe princípios morais tão rígidos; ela diz que a criança “precisa de um enterro cristão”, mas não possuímos outros indícios de religiosidade aflorada.
Os personagens ao redor não contribuem à compreensão de Sofía. Seu marido (Luis Gnecco) aceita a decisão da esposa de adotar o bebê morto de maneira passiva e indiferente, já a melhor amiga sorri e concorda. Ninguém questiona os motivos profundos dessa mulher – e não são as duas abruptas revelações, rumo ao final, que esclarecem o problema. O fato é que Aurora está preocupado demais com o caráter excepcional de suas ações (uma mulher decide travar uma batalha judicial para adotar um bebê morto) para se dedicar ao desenvolvimento da protagonista.
Assim, esta é uma ficção com alma de reportagem, com direito a letreiros finais indicando pacificamente que Sofía e o marido adotaram muitos outros bebês mortos depois disso. Por trás das imagens elegantes e do profissionalismo das atuações, o filme é tão indiferente à protagonista quanto as pessoas que a cercam.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.