Bipolar
por Francisco RussoNão é fácil ser Woody Allen. Aos 80 anos, com 48 longas no currículo e uma média incrível de um filme por ano há décadas, ele não tem nada mais a provar, a quem quer que seja. Woody segue filmando porque ama a sétima arte e porque, como ele volta e meia diz, "tem uns loucos que topam me bancar". Entretanto, por mais que a paixão pelo cinema ainda seja nítida, fato é que, nos últimos anos, ele tem se repetido. É o que novamente acontece em Café Society, seu novo longa-metragem.
Por mais que seja uma história original - e até mesmo simples -, há ecos nítidos de Poderosa Afrodite, Tiros na Broadway e até mesmo Meia Noite em Paris, seja em determinadas piadas ou ambientes retratados. O problema não é propriamente a repetição, mas o fato de soar como um pastiche de si mesmo. Para quem conhece sua carreira, fica a incômoda sensação de que ele já fez isto antes, e melhor. Só que, em Café Society, Woody mostra uma vertente pouco usual: a instabilidade, dentro de um mesmo filme.
Não é exagero dizer que há três filmes distintos em Café Society. O primeiro deles, que ocupa cerca da metade da duração, assume de forma escancarada a comédia romântica. Situada em Los Angeles, abusa da fotografia em tons azulado e sépia para retratar visualmente a divisão de classes sociais na hierarquia cinematográfica de Hollywood, e de um cuidado extremo em como Vonnie, a personagem de Kristen Stewart, é apresentada. Sua primeira aparição, com cerca de 15 minutos, é envolta de um brilho intenso, como se fosse a necessária luz na vida dos homens que a rodeiam. Seus trejeitos e o modo de se vestir dão à personagem uma certa sensualidade casta - são os anos 1930! -, bem como há um close onde os poucos movimentos da atriz e a fotografia meio turva em torno de seu rosto lembram - repito, lembram! - os antigos filmes estrelados por Greta Garbo, que, não por acaso, possuíam uma série de restrições em relação ao comportamento feminino.
Mas Kristen não é Garbo, longe disto. E, se ela até rende bem nos momentos mais românticos e de sedução, mais uma vez demonstra fragilidade quando o texto exige um pouco mais de expressividade. As duas cenas na chapelaria, onde há mais diálogo, são a melhor demonstração disto. Já Jesse Eisenberg se sai bem como a nova persona do diretor, algo que Woody tem buscado desde Kenneth Branagh em Celebridades, e compõe de forma convincente a figura do ingênuo romântico, enquanto que Steve Carell dá uma certa humanidade a um personagem que poderia facilmente cair no lugar comum - ainda bem que Bruce Willis foi substituído, seria difícil ele escapar da caricatura.
O trecho de Los Angeles é de longe o mais bem resolvido em Café Society. Ágil, bem pontuado e com piadas divertidas, especialmente as da prostituta e da comparação com Nova York, o filme flui com facilidade, por mais que seja previsível... aparentemente. A virada para Nova York entrega um outro filme, mais sofisticado e com uma pitada de melancolia que o longa até insinua, através de frases soltas sobre o sentido da vida - filosofia a la Woody Allen, é claro! Só que, por mais que tragam os mesmos personagens, o salto brusco de tom provoca um certo estranhamento agravado pelo fato da subtrama novaiorquina não ser tão interessante assim, pelo súbito (e conveniente) desaparecimento da personagem de Blake Lively - algo que já havia acontecido com Jamie Blackley, em Homem Irracional - e o próprio desenvolvimento desta fase do filme, pelo seu lado abstrato envolvendo paixões. Por mais que Woody aqui queira ressaltar que a vida não é um conto de fadas, tal transição soa superficial.
O terceiro "filme dentro do filme" tem a ver com um subgrupo de personagens, envolvendo o irmão gângster de Bobby e sua família, todos absolutamente gratuitos dentro da história como um todo - a não ser por uma piada ótima, já perto do final. Ainda assim, é muito pouco para inserir tantos personagens e uma subtrama com tamanho peso.
No fim das contas, Café Society é um filme irregular, com seu habitual verniz artístico/filosófico, que conta com alguns bons momentos graças à habilidade de Woody em escrever sequências onde o diálogo é a grande estrela, especialmente na metade inicial. Além disto, o diretor deixou a preguiça de Homem Irracional de lado ao criar enquadramentos interessantes, por mais que às vezes recorra ao clássico plano/contraplano. Vale ressaltar também que este é seu filme de maior apuro estético desde Meia Noite em Paris, especialmente em relação à fotografia, figurino e direção de arte - mérito do fotógrafo Vittorio Storaro, da figurinista Suzy Benzinger e do velho companheiro de trabalho Santo Loquasto.
O que falta é consistência, em parte pela opção de Woody em, mais uma vez, trabalhar questões sem se aprofundar - algo que o tem acompanhado em filmes como Magia ao Luar, por exemplo. Fica a sensação de que, na atual fase, o cineasta busca soluções fáceis para problemas mais complexos, talvez por comodidade ou pela pressa auto-imposta para que possa logo partir para a próxima produção. Pode até ser suficiente para um mero entretenimento de momento, mas apenas isto.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.