Os padres pecadores
por Bruno CarmeloPara onde vão os padres pedófilos? Depois que são excomungados pela Igreja, rejeitados por Deus, onde vão parar os padres e freiras que abusam de crianças, batem em jovens, praticam a adoção ilegal? Eles vão parar em “El Club”, mistura de casa de repouso, internato e prisão, onde os indesejados tentam seguir os ensinamentos divinos, mas são impedidos de entrar em contato com o mundo externo.
Este é o ponto de partida do fascinante filme de Pablo Larraín. A narrativa demora para revelar que os cinco homens e uma mulher são de fato autoridades cristãs. Afinal, eles não se vestem com trajes religiosos, pouco falam sobre Deus, bebem, apostam em corridas de cachorros. Mas, a partir de uma chocante cena inicial, a história toma o tempo de apresentar cada uma dessas pessoas, cujos passados dúbios são insinuados ao espectador.
Como outras sociedades, esta micro comunidade também lida com medos e pressões externas. A polícia, no caso, é representada por um padre jovem, imagem de uma vertente pragmática e capitalista da religião. Ele invade a casa, cria novas ordens, e tenta encontrar indícios suficientes para fechar estas e outras instituições do gênero, que afinal, ainda são mantidas com o dinheiro da igreja. Já a delinquência é representada por um mendigo visivelmente perturbado, que narra aos gritos, diante da casa onde moram os padres, todos os abusos sexuais que sofreu, com riqueza de detalhes.
Uma das forças de El Club está na capacidade de instigar a imaginação do espectador. A partir da cena inicial, Larraín prefere sugerir atrocidades a mostrá-las em tela, deixando ao público a responsabilidade de construir mentalmente as suas próprias imagens. Este recurso torna o espectador, ativo, participativo, e faz com que compartilhe o desconforto dos personagens. Como um bom livro, o roteiro é econômico nos fatos, mas riquíssimo nas descrições, na atmosfera, nas sugestões.
O elemento da culpa também é trabalhado em profundidade. A noção de arrependimento e de redenção, fundamentais à doutrina católica, ganha contornos problemáticos quando aplicada aos padres e à própria Igreja. No caso, a Igreja tem vergonha desses padres, mas não consegue abandoná-los por completo, financiando o seu exílio e comprando o seu silêncio. Mesmo o novo padre, moralista, se cala diante dos crimes para não “sujar a imagem da Igreja”. Quanto aos próprios moradores do internato, muitos deles sequer se consideram culpados – um deles utiliza a Bíblia para justificar que a pulsão pedófila não seria um crime em si, apenas a prática. “E eu sou um mestre da repressão”, afirma.
Talvez essa trama jamais funcionasse sem o uso tão peculiar que Larraín faz das imagens. O diretor, que já tinha inovado com as cores e formatos de tela em No, opta por um uso impressionista da luz (vide a imagem ao lado), trabalhando com maestria as cenas noturnas. Alguns momentos de entrevista são construídos com imagens curiosamente desfocadas – seria um símbolo da maneira distorcida como são vistos pelo padre investigador? A montagem é enxuta, sem tempos mortos, acelerando lentamente o ritmo rumo ao clímax prometido pelo embate entre os personagens.
Quando entra em cena o explosivo clímax, este momento demonstra todo o domínio de Larraín como contador de histórias. O cineasta mantém o suspense, escondendo algumas informações do público, até revelá-las por completo. O grande elenco é amplamente solicitado, e nomes como Antonia Zegers, Alfredo Castro e Alejandro Goic dão conta do recado muitíssimo bem. Com a solução sarcástica encontrada, El Club se conclui como uma obra completa, cuja estética, roteiro e discurso se combinam com perfeição, sem que um se sobreponha ao outro.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.