Tragédia feminina
por Bruno CarmeloO livro A Garota no Trem conquistou grande sucesso ao resgatar a temática central do best seller Garota Exemplar: o suspense comandado por mulheres que se rebelam contra a autoridade masculina e a pressão social. Embora o texto de Paula Hawkins não tenha o mesmo refinamento da história de Gillian Flynn, ele ainda traz um material farto para os cinemas. A surpresa foi ver um suspense sombrio caindo nas mãos do piegas cineasta Tate Taylor (Histórias Cruzadas).
Os fãs preocupados com a fidelidade à obra literária devem ficar satisfeitos com o roteiro de Erin Cressida Wilson, uma especialista em histórias femininas sobre desejo e traição. A versão cinematográfica mantém reviravoltas do livro que poderiam ser facilmente cortadas, em tentativa de agradar aos leitores. Mesmo a estrutura em capítulos, com o nome das três personagens principais, é perservada no início. Algumas passagens são condensadas, é claro, mas o roteiro consegue inclusive melhorar trechos pouco convincentes no material original, em particular no que diz respeito à personagem interpretada por Lisa Kudrow.
De resto, A Garota no Trem conserva os pontos fortes e fracos do livro. Rachel (Emily Blunt), Megan (Haley Bennett) e Anna (Rebecca Ferguson) são personagens bem construídas, nunca julgadas por suas atitudes. O ponto de vista permanece solidário a elas contra os abusos dos homens ao redor. No entanto, a parte dramática funciona melhor do que o suspense. As duas maiores perguntas levantadas pela narrativa (O que aconteceu com Megan? Rachel pode ser uma assassina?) têm resposta previsível, como na obra de Hawkins.
O elenco efetua um bom trabalho, sobretudo no lado feminino. Blunt, empenhando-se em composição bastante dramática, transmite as nuances de uma mulher alcoólatra que encontra no suposto crime uma nova motivação em sua vida. Ferguson também consegue passar da esposa modelo a uma mulher multifacetada ao longo da trama, e Bennett, ainda pouco valorizada em Hollywood, entrega uma atuação impecável, combinando o olhar duro, vazio, com o imperativo de sedução. É uma pena que Justin Theroux e Luke Evans tenham sido tão mal escolhidos para seus papéis. O que os produtores podem ter visto nestes fracos atores para interpretar figuras essenciais à história?
Mas o maior problema, sem dúvida, é a direção de Tate Taylor. O suspense é um dos gêneros que exige trabalho mais elaborado com os espaços e com a dilatação temporal, algo que David Fincher, de Garota Exemplar, domina à perfeição. Mas Taylor acredita estar gravando uma telenovela, fechando 50% de seus enquadramentos no rosto dos atores. Isso valoriza as expressões, mas torna o trabalho de Blunt exagerado, e retira a importância de espaços fundamentais à trama: a distância entre as duas casas, o voyeurismo através do trem, a geografia da floresta. Os flashbacks também são mal coordenados pela montagem e pela direção, que hesita sobre o momento certo de revelar alguns traumas passados.
Apesar da evidente dificuldade do cineasta de transitar do drama ao suspense (a trilha sonora ameaçadora domina o primeiro terço da história, quando nenhum elemento perigoso ainda aconteceu), A Garota do Trem apresenta um resultado satisfatório. Este pode não ser o filme tenso que o público esperava – seu ritmo chega a ser monótono no segundo terço – mas ainda apresenta personagens complexos, um trabalho competente de adaptação e o foco nos temas centrais de superação feminina contra as pressões da maternidade.