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    As Fábulas Negras
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    As Fábulas Negras

    Terror de qualidade

    por Francisco Russo

    Apesar do cinema brasileiro ser mais conhecido pelas comédias e dramas de cunho social, existe uma faceta subterrânea ainda pouco vista pelo grande público: o terror. Não se trata de tentativas comerciais de emplacar o suspense, como o malfadado Isolados, mas sim de filmes que mergulham fundo no fantástico e no gore, com influências diretas da cultura brasileira. Por mais que (ainda) não alcancem um amplo circuito comercial, filmes como Mangue Negro, A Noite do Chupacabras e Mar Negro têm impressionado quem consegue assisti-los em festivais ou no circuito underground.

    Neste cenário, o expoente maior tem sido o diretor Rodrigo Aragão. É ele também a mola mestra por trás de As Fábulas Negras, filme coletivo que traz cinco contos inspirados em lendas urbanas e mitos do folclore brasileiro – todos com uma mão bem pesada e sanguinolenta, como gostam os fãs do gênero. Do brasileiríssimo saci ao universal lobisomem, o filme passa ainda pela emblemática loira do banheiro e questões da burocracia nossa de cada dia que remetem ao argentino Relatos Selvagens, pela displicência com a qual os cidadãos são tratados pelo poder público. Entretanto, é importante ressaltar: As Fábulas Negras foi produzido simultaneamente ao sucesso hermano, ou seja, a inspiração veio do simples olhar do que acontece no cotidiano brasileiro.

    O ponto de partida do longa-metragem é a reunião de quatro garotos, todos fantasiados de super-herois, que brincam em uma floresta. É lá que eles começam a contar causos antigos, todos verídicos (segundo eles), envolvendo personagens míticos e apavorantes. Graças à esta opção em remeter os contos ao passado, pode-se notar um apuro na fotografia no sentido de torná-la antiga e desgastada, além do óbvio tom sombrio que cerca praticamente todas as histórias (a exceção fica por conta do primeiro episódio, O Monstro do Esgoto, mais solar graças ao enfoque sarcástico do meio político). Ainda na questão técnica, brilha a qualidade da maquiagem e dos efeitos especiais utilizados. Cenas como a câmera adentrando em um cérebro e seguindo pelo cano do esgoto (episódio O Monstro do Esgoto), a pessoa dentro do lobisomem (episódio Pampa Feroz) e a jovem com o rosto repleto de cacos de espelho (episódio A Loira do Banheiro) impressionam.

    Outro aspecto que chama a atenção, não apenas pelo simbolismo mas também pela qualidade, é o episódio O Saci. Dirigido por José Mojica Marins, o célebre Zé do Caixão, a história recria o personagem do imaginário popular em algo bem mais feroz e, mantendo-se fiel à cartilha do diretor, entrega uma saborosa cena que mescla devoção católica com desejo carnal. O sarcasmo é uma marca registrada do longa-metragem e pode ser notado em todos os episódios, em níveis variados, trazendo um tempero especial à história em questão.

    Dirigido por Rodrigo Aragão (dois episódios), Joel Caetano, Petter Baierstorf e José Mojica Marins, As Fábulas Negras é um filme de terror de qualidade, graças à habilidade demonstrada pelos cinco diretores ao desenvolver uma narrativa tensa e, ao mesmo tempo, tipicamente brasileira, seja pelas referências apresentadas ou pelo próprio tom sarcástico. Brutal e sanguinolento, com uma coragem que vai do radicalismo em certas sequências à própria reinvenção de personagens consagrados, é filme para se divertir, e muito! Não perca os depoimentos nos créditos finais, que vão desde a reverência ao eterno Zé do Caixão à uma inusitada praga levantada por ele.

    Filme visto no 22º Festival de Vitória, em setembro de 2015.

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