A nova mulher de Almodóvar
por Francisco RussoNão é de hoje que Pedro Almodóvar tem buscado associar um certo mistério à sua já habitual habilidade em traduzir sentimentos femininos para a telona. Em Julieta, seu novo trabalho, ele repete esta mistura, já utilizada com a personagem de Penélope Cruz em Abraços Partidos (a cena da escadaria, a la Hitchcock, lembra?). A diferença é que, aqui, o diretor demonstra um domínio impressionante do que tem a dizer, tanto pelo lado estético quanto de narrativa.
Fiel ao melodrama, Almodóvar desta vez entrega a história da personagem-título, apresentada em dois extremos da vida: na juventude e na meia idade. De comportamentos completamente distintos, há um mistério que explica tal transformação. É justamente em busca deste segredo que todo o longa-metragem é conduzido.
Explorando bastante seu vermelho característico, Almodóvar cria uma ambientação extremamente requintada e elegante. Se a Julieta dos anos 1980 possui características típicas da época, especialmente cabelo e roupas, a dos dias atuais mantém um tom sóbrio que, à medida que revela seu passado, torna-se mais desesperançoso. O diretor ainda revisita o velho conhecido kitsch através de um pequeno detalhe: uma breguíssima mão instalada em uma porta, para que as pessoas possam bater nela.
Muito consciente do material em mãos, o diretor consegue com habilidade conduzir o espectador por caminhos nem sempre óbvios. Neste filme Almodóvar a todo instante quebra expectativas, indicando que a história vai numa direção para, logo em seguida, desmenti-la. O melhor exemplo é a longa sequência no trem, com variações em torno de um homem já citado, mas ainda não conhecido. Além disto, traz de volta a velha amiga Rossy de Palma em um novo papel coadjuvante, bem divertido.
Com uma linda trilha sonora e uma fotografia que explora bastante a variedade de cores - repare nas roupas usadas pelas mulheres! -, Julieta é uma verdadeira aula de direção, extremamente elegante. Não se trata do melhor filme do diretor - Tudo Sobre Minha Mãe, Volver e Fale com Ela são melhores -, e talvez nem mesmo agregue novos valores à sua carreira, mas ainda assim trata-se de um belíssimo trabalho que não apenas revisita sua filmografia, mas reafirma seu talento na condução de sentimentos femininos. Destaque também para o bom trabalho de Adriana Ugarte, mais exigida emocionalmente em cena do que sua contraparte Emma Suárez.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.