Dora no país das perversões
por Bruno CarmeloDora (Victoria Schulz) é uma jovem de 18 anos, com síndrome de Down. Ela vive sob efeito de fortes medicamentos, até o dia em que sua mãe decide cortar todos os remédios. Dora passa a experimentar fortes desejos sexuais, tentando agarrar a genitália dos colegas, masturbando-se em frente aos pais e seduzindo desconhecidos nas ruas. Como reagir à situação?
Várias alternativas seriam plausíveis aos pais de Dora. Retomar a rotina de medicamentos, seguir a filha de perto, encorajá-la a tomar medicamentos contraceptivos... Mas Dora or the Sexual Neuroses of Our Parents vai além: imagina as piores situações do mundo, com os piores pais do mundo. A ideia da diretora Stina Werenfels é fazer um filme chocante, explorando os perigos do prazer sexual.
Assim, Dora encontra um homem perverso que a estupra no metrô. Adivinha? A garota gosta do estupro, os pais deixam que ela retorne ao mesmo lugar, reencontre o agressor, inicie um namoro com o ele, engravide duas vezes, passe a morar sozinha às vésperas de dar à luz, logo após provar que seria capaz de queimar o bebê com água quente, até ser abandonada por todos ao redor. Dora é vítima de pais ausentes, de um namorado manipulador, e acima de tudo de um roteiro perverso que coincide sadismo com ambições artísticas.
Werenfels faz Dora descer ao inferno, tal uma Justine no livro de Sade. Mas, enquanto o escritor do século XVIII culpava o destino, o filme alemão cria dificuldades que poderiam ser facilmente evitadas. Para tornar a experiência mais torturante, para a protagonista e para o público, a cineasta inclui cenas de humilhação, ameaças de estupro coletivo com deficientes, planos subjetivos da boca de Dora antes do sexo oral (com direito a imagem próxima da glande, ocupando toda a tela do cinema), barrigas de mulheres grávidas sendo esmurradas, imagens óbvias de maçãs como símbolo do pecado... Um horror.
A escolha do elenco também é curiosa. Victoria Schulz se esforça para compor a voz e os gestos de uma garota deficiente, mas mantém um olhar de uma pessoa sem deficiência, tornando a personagem pouco convincente. As cenas em que a atriz contracena com portadores reais de síndrome de Down acentuam a deficiência na atuação. Lars Eidinger, que já tinha feito o predador sexual em Vergine Giurata, repete o papel neste drama, reforçando os traços cínicos e malvados. Todos os personagens são condenáveis, com exceção da ingênua Dora, nova versão do mito do bom selvagem.
O título faz referência às neuroses sexuais dos pais de Dora, mas as frustrações do casal Felix (Urs Jucker) e Kristin (Jenny Schily) ficam em segundo plano, e jamais são analisadas pelo prisma psicanalítico que o termo “neurose” poderia sugerir. Dora or the Sexual Neuroses of Our Parents constitui uma experiência moralista e sensacionalista sobre o sexo, a deficiência e o intimismo. Este é um filme que, ao manter uma postura condescendente com personagens sádicos, adota o mesmo olhar desumano daqueles que supostamente critica.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.