Somos todos pecadores
por Bruno CarmeloNa primeira imagem de A Bruxa, a família principal é apresentada de costas. Um tribunal acusa-os de heresia, expulsando pai, mãe e cinco crianças da comunidade. Estamos em pleno século XVII, na Nova Inglaterra, onde qualquer desvio da religiosidade padrão é interpretado como grave ameaça ao funcionamento social. Ou seja, a bruxa do título pode ser tanto a figura concreta da feiticeira quanto a metáfora do elemento dissonante, perseguido pela comunidade, como se diz na expressão “caça às bruxas”.
A exclusão do núcleo familiar desencadeia os eventos assustadores do filme. O diretor e roteirista estreante Robert Eggers faz um ótimo trabalho ao associar religiosidade e misticismo, cristianismo e natureza. Por um lado, esta família de moral rígida acredita nas forças malignas que vivem na floresta, por outro lado, carrega em si a culpa típica da moral cristã: se a colheita de milho não dá certo, julgam-se punidos por algum pecado, se alguém desaparece, acreditam num castigo divino... Um dos fatores mais interessantes da narrativa é sua plausibilidade, já que a paranoia não provém de sustos ou sombras à noite, e sim de um fator essencial, a culpabilidade que os personagens carregam consigo desde o nascimento.
Para contribuir ao clima sombrio, A Bruxa aposta na construção de efeitos analógicos, físicos, muito mais viscerais do que as criações digitais contemporâneas. O cineasta extrai medo do isolamento, da floresta fechada, da presença de bichos comuns, além de mostrar criatividade e ótimo senso de composição quando humanos e animais entram em conflito, na segunda metade da história. Após tantos filmes de terror com truques banais e aceleração dos eventos rumo ao final, é um alívio encontrar uma obra que sabe tomar seu tempo, construindo a tensão e a psicologia dos personagens com precisão cirúrgica.
Além disso, a fotografia cuidadosa, usando velas dentro da casa principal e fontes de luz simples nos cenários noturnos externos, cria um belo efeito de solidão que remete à construção estética dos quadros renascentistas. Talvez a maior inteligência deste filme seja perceber como o terror depende da relação entre os personagens e os espaços, e como uma pequena sugestão pode ser muito mais potente do que litros de sangue jorrando em tela. O terço final, excelente, é uma prova disso: Eggers constrói um clímax complexo através de pouquíssimos elementos em cena. Como nos bons suspenses psicológicos, a fonte de conflito é essencialmente humana.
Talvez o filme sofra com uma pequena lentidão no meio da narrativa, e a imagem final também soa explícita demais para quem trabalhava tão bem o poder da sugestão. Mesmo assim, A Bruxa surpreende por fugir dos clichês do gênero, extraindo terror de uma premissa verossímil, capaz de gerar identificação com o espectador. Eggers surpreende pela bela construção de imagens, a progressão madura do roteiro e a direção dos atores – são corajosas as duas fortíssimas cenas em plano-sequência, apostando inteiramente no talento dos atores mirins Anya Taylor-Joy e Harvey Scrimshaw. São elementos suficientes para despertar boas expectativas quanto aos próximos trabalhos do diretor.