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    A Viagem de Yoani
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Viagem de Yoani

    Vai pra Cuba! Vai pra Miami!

    por Bruno Carmelo

    Em 2013, após dezenas de tentativas frustradas, a blogueira cubana Yoani Sánchez conseguiu uma autorização do governo para sair de seu país natal e conhecer o mundo. Sua primeira viagem teve como destino o Brasil, onde foi recebida com uma mistura de aplausos e vaias por seus fortes ataques ao governo cubano. Seria ela uma defensora da liberdade de expressão? Uma agente financiada pelos Estados Unidos?

    Os diretores Raphael Bottino e Peppe Siffredi não fornecem respostas fáceis a estas perguntas. Acompanhando de perto as chegadas e saídas de Sánchez a debates em rádios e jornais, os cineastas retratam a curiosa postura da visitante. Nas poucas oportunidades em que pode se expressar (ou seja, quando não é interrompida pelo barulho das vaias), ela se contenta em comentar a alegria de estar no Brasil, a beleza do sol local, a bonequinha que recebeu de presente, a tolerância a toda forma de protesto.

    Chegando ao Brasil como símbolo político, como uma das “cem mulheres mais influentes do mundo” segundo uma revista da época, a blogueira contenta-se em representar um símbolo vago, amplo, com um discurso mais moral do que político. Sánchez sempre sorri e acena, evitando provocar quem quer que seja. Ela demonstra pouquíssimo conhecimento da política brasileira, e fala pouco sobre a política cubana. Acaba defendendo valores tão importantes quanto genéricos: a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a democracia, a autonomia do indivíduo.

    O filme explora com vigor as infinitas contradições que circundam a cubana. Ela é capaz de abraçar o petista Eduardo Suplicy e depois tirar fotos com o fascista Jair Bolsonaro; ela é defendida pelos conservadores do DEM (como suposto símbolo de combate ao comunismo) e pela presidenta Dilma Rousseff (como ícone da luta pela liberdade). A visitante é instrumentalizada por políticos de todos os tipos, simpatizando com as correntes mais distintas. Todos conseguem se apropriar da mulher silenciosa para vender sua própria ideologia – até Bolsonaro, em um desses surrealismos semânticos de que só ele é capaz, defende Sánchez comparando-a ao papel “libertador” da ditadura militar. Enquanto isso, ela acena e sorri.

    Bottino e Siffredi adotam um olhar dialético, ressaltando tanto os trechos de seus textos quanto os fortes indícios de que ela seria financiada pela CIA (com os suspeitos prêmios obtidos em concursos literários), e que estaria na verdade buscando a comoção estrangeira ao invés do desenvolvimento cubano. No entanto, melhor do que ilustrar a importância política de Sánchez, os cineastas captam a maneira como ela é recebida. Este é o maior mérito deste curioso documentário: fazer um tratado da atual histeria e bipolaridade do cenário político nacional.

    Alguns manifestantes de esquerda acolhem Sánchez com gritos raivosos de “agente da CIA”, “Vai embora Big Mac” e outras pérolas do pensamento reducionista e caricatural. O mesmo vale para os manifestantes da direita liberalista, que fazem de Sánchez o ícone do livre mercado, uma heroína contra o perigo comunista. Os protestos são marcados por gritos, frases de efeito, e pela incômoda ridicularização do outro. Gritando sem se escutar, direita e esquerda reivindicam o monopólio da liberdade de expressão e da democracia.

    Assim, demonizam qualquer pensamento contrário: se uma pessoa progressista critica a esquerda, ela é imediatamente chamada de “yankee”, se um conservador emite ressalvas à direita, é considerado um comunista. Neste contexto, a presença da “moderada” e “apartidária” Sánchez, como ela mesma se define, funciona como ofensa, uma espécie de terceira via política de moralização que lembra o papel de Marina Silva nas últimas eleições nacionais. Sánchez, como Marina, define-se por oposição: não é uma coisa nem outra, apenas diferente.

    Talvez falte a A Viagem de Yoani maior cuidado com seu material de arquivo: as dezenas de vídeos de telejornais são montadas sem referência a datas, autores ou emissoras, e esmagadas por uma onipresente intervenção gráfica, que tenta conferir às imagens um aspecto “subversivo”, como as interferências em uma rádio pirata ou os chiados de um programa televisivo underground. Na tentativa de tornar o conjunto mais pop, os diretores comprometem o rigor investigativo de um filme com claras aspirações jornalísticas.

    Mesmo assim, embora seja um documentário deficiente no que diz respeito às ideias de Yoani Sánchez, o filme consegue retratar muito bem o atual cenário da militância política brasileira, cujo diálogo é prejudicado pelos discursos de ódio. Se a blogueira representa uma traição ou uma libertação a Cuba, não se sabe. Se a tal terceira via democrática funciona, sabe-se ainda menos. A Viagem de Yoani oferece mais perguntas do que respostas, sugerindo que há mais ideologias entre Cuba e Miami do que sonha a nossa vã filosofia.

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