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    Yorimatã
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Yorimatã

    Concerto místico

    por Bruno Carmelo

    As cantoras LuhliLucina são vistas em uma fazenda, falando sobre música e sobre o amor. Elas aparecem tocando numa cachoeira, conversando num jardim, cantando para a paisagem. Suas músicas falam invariavelmente sobre a natureza, tema que conduz o modo de pensar deste dupla libertária e pacífica. Este é também o motor do próprio filme, que escolhe “Yorimatã” - espécie de palavra talismã - como o título.

    Para retratar duas personalidades altamente ligadas ao mundo transcendental, o diretor Rafael Saar adotou um estilo igualmente contemplativo, associado ao mundo natural. As cenas de árvores e riachos se multiplicam na tela, algumas músicas são cantadas especificamente perto de árvores, e as gravações em 8mm, com efeitos sonoros e sobreposições, garantem o aspecto fantasmático, nostálgico, que representa o estilo da vida da dupla. Faz sentido que Luhli e Lucina sejam hippies assumidas e mantenham esse pensamento até hoje, mas o cinema contemporâneo, quando tenta se passar por uma obra dos anos 1960, assume inegavelmente um ranço saudosista. Especialmente para um filme dotado de estrutura tão convencional.

    Isso porque Yorimatã intercala depoimentos com material de arquivo e cenas de concertos, como se esperaria do documentário de duas músicas. A estrutura é simples, mas funcional: Saar entrega de maneira naturalista, sem jamais parecer didático, farto material sobre a época da ditadura, sobre o pioneirismo destas duas mulheres e sobre a desilusão pós-68. Os depoimentos de Ney MatogrossoGilberto Gil podem soar artificiais, porque ambos falam em presença de Luhli e Lucina, exagerando nos adjetivos, mas a escolha de músicos convidados contribui a relembrar a importância das personagens no cenário musical brasileiro.

    O diretor e montador parece deslumbrado com a beleza do material e a doçura das vozes, de modo que preferiu incluir dezenas de canções, algumas delas em duração integral. O efeito desta escolha foi uma obra redundante, excessivamente longa. Às vezes, a edição precisa abrir mão de bons momentos para valorizar outros, mas o tom de homenagem impediu o distanciamento necessário para agenciar as imagens e o ritmo.

    Mesmo assim, Yorimatã termina em saldo positivo, conseguindo mesclar as vidas privada e pública destas duas mulheres, explicando como sua ideologia não militante pode constituir um gesto político - até hoje, a noção de uma família composta por duas mulheres e um homem incomoda muitas mentes conservadoras. A sexualidade, a morte de uma pessoa próxima e a separação das duas é exposta com uma delicadeza ímpar, prova do tato de Saar com suas biografadas.

    Tamanha admiração do diretor funciona como vantagem e desvantagem: ao mesmo tempo em que garante o olhar afetuoso, também impede uma mão firme na condução das imagens e no projeto estético geral. Yorimatã é tão impregnado de Luhli e Lucina que soa, de certo modo, controlado por elas.

    Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.

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