Ser imigrante
por Francisco RussoUma das questões mais atuais em discussão na Europa tem a ver com a imigração, já que todo ano milhares de pessoas deixam seus países de origem, especialmente na Ásia e na África, rumo ao sonho de uma vida melhor em algum local na Europa. A França, por suas condições econômicas, é um dos portos preferidos. Diante de tal situação, não é nem um pouco estranho que Jacques Audiard, talvez o diretor francês mais conceituado na atualidade, queira colocar o dedo justamente nesta ferida.
A história gira em torno de um homem, uma mulher e uma garota, todos nascidos no Sri Lanka, que um dia recebem uma oportunidade de ouro: fingir que são outras pessoas e, assim, deixar a guerra que toma conta do local rumo a uma vida mais pacífica na Europa. A questão é que os três mal se conheciam neste momento e, para manter as aparências, precisam ao menos aparentar ser uma família comum. Outro problema: apenas a garota sabe francês, os demais ainda precisam aprender a língua.
Boa parte do longa-metragem é destinada justamente à esta interação forçada para que o trio possa sobreviver, o que inclui vários problemas de convívio e até mesmo ameaças de abandono latente. Dheepan (Antonythasan Jesuthasan) e Yalini (Kalieaswari Srinivasan), marido e esposa na ficção, enfrentam também questões referentes à adaptação, especialmente no meio de trabalho: ambos conseguem empregos próximos ao condomínio de classe baixa em que vivem, que pagam muito mais do que jamais sonhariam – por mais que, para o padrão europeu, seja um salário baixo. A vida, por mais que seja dura, é bem melhor do que a que tinham antes.
Por mais que esta adaptação e posterior interação com os franceses de nascimento seja um tema bastante interessante, o longa-metragem brilha de fato apenas quando aborda outra questão relevante: a violência nos subúrbios de Paris. Mais ainda: Audiard tem a coragem de compará-la à própria guerra no Sri Lanka, seja pelo comportamento de seus personagens ao reagir aos acontecimentos ou simplesmente pelo que acontece de fato. Há barbárie também na França, avisa o diretor.
Bem atuado e com uma história de fundo social bastante relevante, Dheepan é um bom filme que encontra espaço no cenário político atual. Peca apenas no modo como trata a garota, que praticamente desaparece da narrativa na segunda metade da história.
Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.