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    O Contador
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Contador

    Herói ou vilão?

    por Francisco Russo

    O que aconteceria se Matt Murdock fosse autista? Esta pergunta pode parecer um tanto quanto estranha (e realmente é), mas O Contador deixa a impressão que foi a partir dela que o roteiro de Bill Dubuque foi escrito. Afinal de contas, o personagem interpretado por Ben Affleck segue o típico arquétipo do super-herói - só que sem uniforme estilizado nem superpoderes - e, de certa forma, traz várias semelhanças com a criação do Demolidor.

    Senão, vejamos: o início de O Contador logo nos apresenta a uma criança autista, que enfrenta dificuldades com ruídos altos e sensibilidade aguçada. Por mais que seus pais recebam a oferta de enviá-lo a uma escola especial, eles optam por mantê-lo em casa sob a justificativa de que "o mundo não é um lugar sensorial amistoso, logo ele precisa aprender a lidar com isto". Dá certo. O menino cresce, torna-se Affleck e se estabelece como um excelente contador, tanto que logo é requisitado para trabalhar com algumas das maiores organizações criminosas do mundo.

    Tal contraste move boa parte da narrativa, ao menos na primeira metade do filme, de forma a estabelecer no espectador a dúvida sobre como aquele garoto repleto de problemas se tornou este homem. Só que há mais detalhes: Christian Wolff é um exímio atirador, capaz de acertar o alvo a uma distância de 1,5 km, e também especialista em lutas - e, assim como Murdoch, possui questões familiares mal resolvidas e um certo questionamento ético sobre os métodos por ele adotados.

    Se por um lado a ideia de transformar uma função burocrática como a de contador em um protótipo de super-herói soe curiosa e até surpreendente, por outro o desenvolvimento de O Contador peca justamente pela dificuldade de convencimento de tal transformação. Por mais que a direção de Gavin O'Connor estabeleça uma ambientação realista, bem longe do universo dos super-heróis, e o roteiro de Duburque se encarregue de responder toda e qualquer pergunta acerca do personagem principal, tamanha excelência destoa da própria realidade proposta, ainda mais pelo fato dela não causar estranheza alguma nos demais personagens. É como se Wolff fosse um extra-classe entre pessoas normais, por mais que suas dificuldades de socialização sejam sempre ressaltadas.

    Apesar deste estranhamento permanente que acompanha o longa-metragem, O Contador ainda funciona razoavelmente pelo lado da diversão, graças às boas cenas de ação, brutais e secas. Affleck compõe de forma correta um Wolff bastante sisudo e sem emoções, de forma a ressaltar seu deslocamento perante todos à sua volta. Chama também a atenção algumas curiosidades relacionadas ao seu universo, como o gosto por quadrinhos e Guerra nas Estrelas, bem como a presença de obras de arte em seu trailer - detalhe para a sutil patriotada na relação entre quadros de Pollock e Renoir, onde apenas o pintor americano é reconhecido e tem mercado. Hollywood e suas mensagens subliminares, como de hábito.

    No fim das contas, O Contador é mais interessante no sentido de ser um quebra-cabeça que, pouco a pouco, tem suas perguntas respondidas a partir dos relatos de variados personagens. Por mais que o roteiro até seja coerente, falta ao texto um maior aprofundamento no porquê de tal transformação ter ocorrido e, especialmente, na dubiedade existente entre os atos de Wolff e o fato dele trabalhar para organizações criminosas, algo que é abordado superficialmente - uma justificativa é dada e ponto final, sem qualquer desenvolvimento. Com um elenco sem grandes destaques, o que inclui o premiado J.K. Simmons, trata-se de um filme correto e bem realizado que tenta surfar na recente onda dos filmes de super-heróis, buscando alguma identidade própria - mesmo que, para tanto, beba claramente da fonte de heróis já consagrados, como é o caso do Demolidor.

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