Dor sem cura
por Lucas SalgadoNão é fácil realizar um filme como Manchester à Beira-Mar sem cair no melodrama. Nove em dez diretores/roteiristas optariam pelo choro fácil, por sequências desesperadas, mas este não é o caso do dramaturgo Kenneth Lonergan (Conte Comigo). Com um grande background no teatro, o cineasta evita ao máximo momentos catárticos e cria um ambiente angustiante e de um tristeza tão reprimida que abala (e muito) o espectador.
A trama gira em torno de Lee Chandler (Casey Affleck), um jovem de boa família que trabalha como zelador em um prédio de Boston. Determinado dia, recebe a notícia de que seu irmão (Kyle Chandler) faleceu. Então, retorna para sua terra natal para se despedir do irmão e cuidar do sobrinho Patrick (Lucas Hedges).
Lee descobre que o irmão deixou a guarda do filho para ele, mas que deveria se mudar para a cidade deles. O problema é que um trauma no passado de Lee faz com que queira distância daquele lugar.
O filme conta com uma atuação enorme de Casey Affleck, que já havia entregado grandes performances em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford e Medo da Verdade. Lee Chandler é um personagem reprimido, traumatizado e pouco expressivo. Mas pouco expressivo na medida em que não se desespera, pois diz muito através de seu olhar. A dinâmica com o sobrinho é excelente, principalmente pela revelação que é Lucas Hedges. O jovem é bastante carismático e se sai bem nos momentos dramáticos e também nas cenas em que deve agir como adolescente rebelde.
Michelle Williams, Tate Donovan, Gretchen Mol e Matthew Broderick completam o elenco da produção. Todos estão bem, mas é impossível não destacar a presença de Williams. A atriz de Namorados para Sempre e Sete Dias com Marilyn surge em apenas três sequências. E rouba a cena em todas elas. Em uma, especificamente, em que conversa com Affleck sobre o trauma vivido por eles, será difícil o espectador não chorar.
Passado numa cidade litoral, durante um inverno pesado, o longa absorve este clima de frieza e isolamento, e passa para boa parte dos personagens. É uma obra que não grita, mas fala com uma agonia desesperadora, sem deixar de lado aquele bom humor típico que quem tenta aliviar um cenário de dor e perda.
Manchester by the Sea (no original) conta com uma ótima direção de fotografia de Jody Lee Lipes, que consegue estabelecer uma diferença clara nas sequências no presente e no passado. É interessante como a imagem transmite um cenário mais alegre nos flashbacks, em contrapartida a toda frieza da linha do tempo principal, por mais que seja no passado que aconteça o evento mais traumático. Passa bem a ideia de que a partir daquele ponto, a vida de nenhum dos personagens foi a mesma.
Manchester à Beira-Mar é um longa pesado sobre perda e recomeço, contando com um roteiro que transborda sensibilidade e humanidade. Trata-se de uma obra extraordinária sobre a vida e seus percalços. Sobre o amor, mas também sobre a dor, que por vezes é tão insuportável que transforma pessoas.