Fora da curva
por Lucas SalgadoResponsável pelo clássico do curta-metragem brasileiro O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda (1986), o diretor José Pedro Goulart retornou ao Festival de Gramado quase 30 anos depois para apresentar seu primeiro longa, Ponto Zero. Cercado de expectativa, como único representante do Rio Grande do Sul na mostra competitiva em 2015, o filme lotou o Palácio dos Festivais. Ao final da sessão, aplausos tímidos e muito silêncio. Mas isso é necessariamente ruim? A verdade é que o silêncio do público nasce da impacto do que acabou de assistir e não do descaso com a obra.
Ponto Zero está longe de ser uma obra perfeita. Possui problemas, alguns deles graves, mas não se trata de uma obra que o espectador vai assistir sem consequência. O longa é impactante tanto do ponto de vista visual quanto do ponto de vista narrativo, contando com um trabalho marcante de direção de arte (Valéria Verba) e desenho de som (Kiko Ferraz e Christian Vaisz).
Ênio (Sandro Aliprandini) é um jovem adolescente que é vítima de bullying no colégio e também não consegue se soltar em casa. Muito tímido, ele tem dificuldades em lidar com a chegada da puberdade, começando a se interessar sexualmente por garotas e sem saber como lidar com isso. Ao mesmo tempo, vê a mãe sofrendo com a constante ausência do pai, um radialista que trabalha até altas horas da noite. Ela acaba exigindo que Ênio a faça companhia na ausência do pai, dando ao menino a responsabilidade de suprir uma ausência que não seria dele.
A personagem da mãe é importante no desenvolvimento de Ênio, mas a atuação de Patricia Selonk é um pouco fora de tom, caindo muito pro melodrama. Já Eucir de Souza se sai muito bem na pele do pai, entregando pelo menos um diálogo extraordinário, onde contesta a necessidade da família de que todos estejam juntos o tempo todo. Mas o grande destaque da obra é sim Aliprandini, que desenvolve um personagem complexo, que é frágil, mas não ao ponto de incomodar e afastar o público.
Sem amigos e com problemas na família, Ênio decidirá por conta própria ir atrás de uma garota de programa. A situação irá desencadear em uma série de problemas.
O longa é repleto de simbolismos, mas nem todos funcionam. Se as sequências de um garoto na piscina são marcantes e muito bem filmadas, alguns elementos visuais, como colocar caros andando de ré ou um céu repleto de caros, parecem apenas firulas estéticas e críticas à vida urbana de fácil interpretação.
A trilha sonora de Leo Henkin é excelente, se encaixando bem no trabalho sonoro da produção. A fotografia de Rodrigo Graciosa também merece destaque, com direito a alguns planos mais longos, com aquele em que o garoto corre na rua de noite no meio da chuva.
Filme visto no 43º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2015.